6 objetos com história em Ribeira de Pena
Entre o Vale do Tâmega e o do rio Póio, o território de Ribeira de Pena é fronteira entre o Minho e Trás-os-Montes. Terra de grande beleza e onde a natureza é rainha, é com as vivências das suas gentes que ganha uma riqueza única. Vamos ao encontro de 6 objetos com história. Alguns passarão despercebidos ao visitante, outros impõem-se na paisagem, mas todos têm algo para contar.
Da Igreja Matriz às margens do Tâmega, do vale do Póio à vila de Cerva, são pequenas histórias, episódios, lendas e até o porquê de expressões hoje em voga. Começamos pela Igreja Matriz de Ribeira de Penas e sobre ela temos muito para contar.
1. Igreja do Salvador
Fruto da promessa de um emigrante do século XVIII, à construção da igreja consagrada a São Salvador se deve a vila de Ribeira de Pena, tal como a conhecemos hoje. Quando jovem, Manuel José de Carvalho saiu da aldeia e do concelho por ter partido um cântaro de água e preferido o desconhecido ao castigo paterno. Ao fugir, fez a promessa de que se fizesse fortuna mandaria erigir uma igreja como não havia outra em redor.
Emanuel Guimarães, o diretor do Ecomuseu de Ribeira de Pena, conta-nos que o jovem era bom de contas e resolveu uma disputa entre dois comerciantes no Porto. Um deles, impressionado com o talento demonstrado, convidou Manuel José de Carvalho a seguir com ele para o Brasil.
A vida sorriu-lhe e Manuel José de Carvalho fez fortuna, pagando então a promessa. Assim nasceu o projeto da Igreja do Salvador e o benemérito não olhou a despesas, mas nunca a viu concluída. Aquando da construção das torres, os responsáveis pela construção enviaram uma carta para o Brasil a pedir mais dinheiro, mas na volta do correio receberam uma missiva da viúva a recusar-se, porque a construção da igreja já tinha consumido tanta da sua fortuna que mais “parece ter ferrolhos de ouro”.
E não se enganou a senhora. Ferrolhos de ouro não havia, mas o dinheiro que chegava do Brasil era gasto à tripa-forra e até um cão tinha direito a ordenado. Ouça o som antes de passar ao segundo dos 6 objetos com história.
2. A fuga de Camilo
Este segundo dos 6 objetos com história de Ribeira de Pena é, verdadeiramente, ainda o pimeiro, mas o episódio que aqui contamos é tão saboroso que não resistimos.
Camilo Castelo Branco viveu em Ribeira de Pena entre os 16 e os 18 anos. Aqui casou, aqui teve uma filha e daqui teve de fugir apressadamente. Este episódio passa-se ainda na Igreja do Salvador, mas à porta, e o próprio escritor relata a sua fuga em Ao Anoitecer da Vida.
E tudo porque o jovem Camilo, impante da sua verve, acedeu a meter-se entre dois irmãos morgados que estavam desavindos. Escreveu umas quadras a satirizar os amores do morgado mais novo, que queria casar com uma plebeia e viu-se metido em sarilhos quando as quadras foram lidas à entrada para a missa das 11.
Emanuel Guimarães conta-nos esta história saborosa e lê o texto de Camilo.
3. A ponte de arame
No vale do Tâmega existe uma ponte pênsil pedonal que é em Ribeira de Pena conhecida como ponte de arame. A travessia que liga Ribeira a Santo Aleixo de Além-Tâmega existe desde os primórdios do século 20 e é o nosso terceiro dos 6 objetos com história.
A ponte é de visita obrigatória, tanto mais que todo o vale será submerso daqui a poucos anos pela barragem que já está a nascer a juzante. Mas não só por isso. Está localizada num local edílico, de frondosa vegetação que vale a pena a visita. Dizem-nos que depois da barragem será recolocada noutro local para não se perder a memória de uma travessia que foi única até aos anos 60 do século passado.
A ponte de arame foi mandada construir pelo padre Albino Afonso, mas não se sabe exatamente em que data. O que ficou na memória é uma lenda em que o clérigo nos aparece como homem de boa mesa e de mente rápida.
Conta-se então que num inverno agreste que não permitia o atravessamento do rio por barcas, o Natal aproximava-se. Estando o padre na margem direita e a única mercearia fosse na margem direita não havia como lhe fazer chegar o bacalhau.
O padre pede aos populares que lhe façam chegar o Fiel Amigo, mas o trabalho estava difícil de se fazer. Ataram um foguete a uma cesta mas o resultado foi que em vez de ir para o prato do padre seguiu por rio abaixo. E foi então que este se lembrou de usar um arame entre as duas margens.
A história é-nos contada por Daniel Cardoso, técnico de turismo da Câmara Municipal de Ribeira de Pena, e vale bem a pena ouvi-la.
4. A varanda gradeada de Agunchos
Aldeia de Portugal, Agunchos é um povoado de casas de pedra que tem no espigueiro, sob o qual passa uma rua, o seu ex-libris.
Pois na casa imediatamente anterior ao imenso espigueiro, no último dos seus andares, existe uma varanda que é o nosso quarto dos 6 objetos com história de Ribeira de Pena. Olhando-se para a casa e sua varanda, o que salta à vista é um elegante gradeamento a toda a sua volta. Mas se se olhar com mais atenção, percebe-se que as grades vão até cima.
É este gradeamento uma proteção ou uma prisão? Não tendo por intuito evitar que os de dentro possam cair à rua, é ao mesmo tempo uma proteção e uma prisão. Uma prisão que tem por objetivo deixar gente de fora e uma proteção ao recato de uma donzela.
Daniel Cardoso é quem, uma vez mais, nos conta esta história passada no século XVIII, quando as paredes da casa abrigavam uma bela jovem que o seu pai queria recatada. Mas acontece que havia por aquelas bandas um jovem que tinha uma especial afeição pela donzela e trepava paredes para a ver. O pai não foi de medidas e mandou fazer o gradeamento em toda a varanda e nos outros locais por onde fosse possível a passagem do enamorado.
5. O escano da Casa-Museu de Camilo
Este é um objeto que era muito comum nas casas nortenhas de outros tempos e que caiu em desuso. Falamos dele aqui porque aqui o encontrámos, mais concretamente na Casa-Museu de Camilo, em Friúme, onde o jovem viveu depois de casar com Maria Joaquina, e por isso faz parte dos 6 objetos que escolhemos em Ribeira de Pena.
O escano é um banco onde o homem se sentava para comer, e que tem acoplado o tampo de uma mesa. A mulher comia sentando-se num banco para poder chegar ao lume e servir, mas o homem ficava como que preso e só podia sair depois de acabada a refeição.
O objeto caiu no esquecimento e hoje tem uma função meramente decorativa, mas a memória do ritual de almoços e jantares perdurou e está aqui a origem da expressão “levantar a mesa”, como nos conta Emanuel Guimarães.
6. A moldura de pedra de Cerva
No vale do rio Póio, a vila de Cerva foi outrora concelho e hoje pertence ao território de Ribeira de Pena. É aqui que há uma boa praia fluvial e alguns dos melhores restaurantes desta terra. O cenário é belo, já muito mais transmontano do que minhoto, que é o que se encontra no vale do Tâmega.
Aqui as encostas do Alvão já sobem até alturas próximas dos 1.000 metros, mas cá em baixo as terras são férteis e os verdes imperam.
Este é, pois, um bonito cenário, e foi por disso terem perfeita noção que quem de direito instalou no miradouro de onde se avista a vila e as suas cercanias uma moldura de pedra, que é o último de 6 objetos com história de Ribeira de Pena. Numa época de selfies, este é um convite a que nos deixemos fotografar por outra pessoa enquadrados por uma paisagem de sonho. É aqui “onde fica o amor”.