A lenda do Cavaleiro de Elvas
A maior fortificação abaluartada do mundo encontra-se em Elvas, a cidade “Rainha da Fronteira”, um dos bastiões mais importantes da defesa de Portugal. Vamos pois contar uma lenda que inclui as famosas muralhas e que diz da valentia dos seus bravos cavaleiros e demais habitantes.
Estamos no século XIV, tempo de guerra com os nossos vizinhos e parentes castelhanos. Combate-se em todo em território e, incessantemente, junto à fronteira. E lá diz a canção
“Ó Elvas, ó Elvas
Badajoz à vista…”
Elvas é, como de costume, um suporte defensivo privilegiado, que combate incansavelmente contra as forças invasoras que já tomaram os fortes em redor. Sucedem-se os episódios heróicos que as lendas contam.
Era dia santo e, tanto no lado luso como no castelhano, realizavam-se as habituais procissões.
Num grupo de portugueses, animados pela festividade, falava-se da guerra, e palavra puxa palavra, logo um deles resolveu ousadamente mostrar a sua bravura, invadindo território castelhano com intenção de se apoderar do estandarte inimigo, símbolo maior da Coroa que representava.
Tentaram dissuadi-lo, mas qual? Estava determinado!!!!!!!!!!!
E o dito cavaleiro montou o seu fiel corcel e, acompanhado pelos seus escudeiros e homens de armas, lançou-se para Badajoz, quando se realizava a procissão. Aí, irrompeu por entre os crentes, arrebatou o pendão castelhano e regressou rapidamente a Elvas com o estandarte inimigo a reboque.
Ao chegar ao castelo, deparou-se com as portas das muralhas cerradas. Uma, duas, três vezes o circundou, sem encontrar uma entrada. É que os de dentro viam ao longe os castelhanos furiosos e tinham mandado cerrar os acessos…
Desesperado, o cavaleiro ergueu-se sobre a sua montada e lançou o estandarte para dentro das muralhas, caindo, depois de grande perseguição, nas mãos dos de Badajoz.
Morreu honrosamente em combate e as suas últimas palavras foram:
– Morra o homem e deixe a fama.
Camões, nos Lusíadas, referiria, mais tarde com o mesmo sentido “aqueles que por obras valerosas / se vão da lei da Morte libertando”.
Seria este cavaleiro Gil Fernandes d’Elvas, o Bom, que foi Alcaide-Mor do Castelo e cujos feitos heróicos, nesta e noutras batalhas, não se esquecem? Chamaram-lhe “homem-fronteira” os historiadores castelhanos e o próprio Poeta, cantador dos feitos Lusitanos, o nomeia como um bravo na sua obra maior, os Lusíadas, no Canto XVIII, Estrofe 34.
«Olha este desleal e como paga
O perjúrio que fez e vil engano;
Gil Fernandes é de Elvas quem o estraga
E faz vir a passar o último dano:
De Xerez rouba o campo e quási alaga
Co sangue de seus donos Castelhano (…).
Gil Fernandes também é referido por Duarte Nunes de Leão na “Crónica de el Rey D. João de Gloriosa Memória, o I” e por Fernão Lopes na “Crónica Del’rei Dom João I Da Boa Memória”, além de outros documentos de época. Mas nem todos o consideram fiel e duvidou-se da sua dedicação ao Mestre.
Outros autores sugerem que seria outro cavaleiro, João Paes Gago, o herói da história.
Teria este episódio ocorrido por ocasião do Corpo de Deus ou no dia de São João, como alguns referem?
Resultaria a demanda do estandarte de uma questão amorosa, exigido então como penhor de bravura por um pai determinado ao amado de sua filha?
Ou alude esta narrativa ao estandarte castelhano, ou, como outros sugerem, ao estandarte português roubado pelo inimigo e que seria imprescindível recuperar?
Assim são as lendas. Não se sabe.
O que é certo é que o brasão de Elvas ostenta um cavaleiro que apresenta, na mão direita, uma bandeira com as quinas de Portugal. Pela antiguidade do estandarte (o primeiro documento em que se observa o símbolo de Elvas é uma doação dos direitos de montado a D. Afonso III feita a 15 de Novembro de 1258), não pode ser o cavaleiro da lenda: é quase certo que se trata do Rei D. Sancho II, que conquistou definitivamente a cidade aos mouros em 1228.