Nossa Senhora de Belém: a imagem a que Vasco da Gama rezou antes de partir

A 8 de julho de 1497, Vasco da Gama entrou na pequena ermida da Ordem dos Freires de Cristo, ajoelhou-se e rezou à imagem de Nossa Senhora de Belém. Mais de quinhentos anos depois, podemos continuar a admirar esta imagem com tanta história.

O navegador rezou à imagem também conhecida como Nossa Senhora do Restelo imediatamente antes de embarcar na gesta com que faria o mundo mais pequeno. Um ano depois, chegava à India e o mundo tornava-se mais pequeno.

“Despois de aparelhados, desta sorte, De quanto tal viagem pede e manda, Aparelhámos a alma pera a morte, Que sempre aos nautas ante os olhos anda. Pera o sumo Poder, que a etérea Corte Sustenta só co a vista veneranda, Implorámos favor que nos guiasse E que nossos começos aspirasse.”

Os Lusíadas, Canto IV

Encomendada pelo Infante D. Henrique, a imagem de Nossa Senhora de Belém estava numa pequena ermida mesmo junto ao rio, no local de onde partiam as naus. Vasco da Gama rezou a ela e 3 anos depois o mesmo fez Pedro Álvares Cabral, antes de partir em direção ao Brasil.

A ermida foi demolida e no local nasceu aquele que é o mais impressionante dos templos de Lisboa, o mosteiro dos Jerónimos. Do outro lado da cidade, havia uma igreja quase tão grande e magnífica como esta, a da Misericórdia. As duas pontuavam a cidade e mostravam a riqueza e o poder dos portugueses de então, com o flamejante manuelino a deslumbrar tantos quantos as viam. Os Jerónimos continuam como um dos ex-libris de Lisboa, mas a igreja da Misericórdia (sede da primeira das misericórdias portuguesas) foi destruida pelo terramoto de 1755. Sobrou apenas uma capela lateral, mas já lá vamos.

Na Igreja da Conceição Velha, na rua da Alfândega, entre o Rossio e a Casa dos Bicos, a imagem de Nossa Senhora de Belém ainda hoje se destaca, mesmo entre um património rico. Colocada do lado direito do altar, a imagem surpreende pelo ar cândido da virgem, pela leveza das mãos colocadas em prece e pelo rico panejamento das suas vestes, mas o olhar do visitante é todo ele atraído para a figura do Menino que tem no colo.

Nossa Senhora de Belém

Está colocada sem ser o centro, mas atrai todas as atenções do visitante, mesmo não sabendo a sua história. Quando olhamos para a Nossa Senhora de Belém, olhamos também para história. Miramos com um olhar de outro século e, certamente, com outros sentimentos, para um passado de epopeia.

Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral ajoelharam-se aos pés da imagem que agora contemplamos e que, no seu tempo, estava na Ermida de Nossa Senhora do Restelo. Os navegadores recolheram-se ante a imagem e encomendaram proteção antes de partirem para as suas aventuras.

E, como sabemos, as suas viagens foram bem sucedidas e ajudaram o reino a enriquecer e a tornar-se uma das grandes potencias mundiais. De tal forma rica ficou a Coroa, que D. Manuel I decidiu fazer um grande mosteiro no lugar onde estava a Ermida.

Os freires da Ordem de Cristo receberam assim ordem de despejo e levaram consigo a imagem para aquela que foi a primeira Igreja de Nossa Senhora da Conceição.

O pórtico manuelino da Igreja da Conceição Velha
Pouco restou da grande igreja do lado oriental da cidade

Juntamente com os Jerónimos, D. Manuel mandou erigir uma outra grande igreja no extremo oposto da cidade, na zona onde é hoje a Rua da Alfândega. A Igreja da Misericórdia só perdia em magnificência para os Jerónimos.

Os séculos passaram e com eles a posição dominante de Portugal no xadrez mundial. Até que amanheceu o dia de 1 de novembro de 1755.

A terra, o mar e o fogo uniram-se para destruir a cidade. A Igreja de Nossa Senhora da Conceição não era mais do que uma recordação e o grande templo perto da Casa dos Bicos estava irremediavelmente perdido. Sobreviveu apenas a fachada sul e a capela lateral dedicada ao Espírito Santo e mandada construir por uma das mais intrigantes figuras Lisboetas: D. Simoa Godinho

D. Simoa Godinho

Negra, nascida em São Tomé, Simoa Godinho era neta de um dos primeiros povoadores portugueses e, com Ana de Chaves e Catarina Gomes, fazia parte de uma elite. A sua família era já possuidora de grande fortuna, tendo herdado a maior parte dos bens do seu avô, quer pelos testamentos da sua mãe como da sua tia. Quando veio para Lisboa e casou com o nobre português Luís de Almeida era já uma mulher muito rica.

A capela que é agora uma igreja

Simoa Godinho ficou conhecida pela sua caridade e pelo seu apoio à Misericórdia. Quando D. Manuel mandou construir a sumptuosa Igreja da Misericórdia, D. Simoa Godinho mandou erigir uma capela lateral, onde seria enterrada juntamente com o seu marido. Já viúva, faleceu a 25 de março de 1594. Dois dias depois, seria sepultada junto do seu marido. E aí repousaria para sempre, não fora a fatídica manhã de 1 de novembro de 1755.

Uma capela que agora é igreja

Da Igreja da Misericórdia, já se disse, o terramoto apenas poupou a capela do Espírito Santo. Com outras prioridades, o plano pombalino de reconstrução da cidade não incluiu a igreja. D. José decidiu, no entanto, para aí transferir a Igreja de Nossa Senhora da Conceição aproveitando o que sobrara.

E é assim que a antiga capela se transforma na Igreja da Conceição Velha. Um templo cuja entrada é um magnífico pórtico manuelino, resquício último da antiga Igreja da Misericórdia. Lá dentro, o tempo é pombalino, com muitos elementos maneiristas e, claro, com a bela imagem da Nossa Senhora de Belém.

A mesma a que se ajoelhou Vasco da Gama antes de partir na sua primeira viagem até à Índia. E assim esta história termina tal como começou.

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