“As mãos do oleiro não podem ter calos”

As palmas das mãos como que acariciam o barro que gira na roda, fazendo a péla ganhar corpo. Depois, com o cuidado dos amantes, os dedos começam a dar forma ao objeto. Os mestres oleiros de Redondo continuam saberes ancestrais e a olaria decorada e funcional que sai dos seus fornos é uma das imagens de marca do concelho.




“O meu pai era oleiro e a minha mãe ajudava, pelo que comecei a vir para cá num alguidar. Sou oleiro desde que nasci”. Encontramos mestre José Baetas a fazer um monte com a lenha para mais tarde cozer as peças que molda. Depois do sol alentejano, precisamos de tempo para conseguirmos vê-lo no fundo da olaria.

“Enquanto as peças secam, aproveito para trazer a madeira”, diz enquanto descalça as grossas luvas de trabalho para nos cumprimentar. Mais tarde explica o porquê de tanto cuidado. “Um oleiro não pode ter calos!” Mesmo quando está uns tempos sem ir à roda “já se nota a diferença porque as mãos ficam mais secas”. É a pele nova que já não conhece o barro e torna mais difícil o moldar as peças.

“Um oleiro tem de saber fazer tudo”

Na Barru Pottery reinventa-se uma tradição milenar
Barru Pottery: a modernidade também mora em Redondo

Espreitando-se para a Barru Pottery vê-se logo que estamos perante algo diferente: as cores e as formas são diferentes. Aqui dominam os tons cinza, os brancos, os amêndoa, azuis e o verde mar e a loiça pensada para fazer uma mesa elegante.
Este é um projeto que une um mestre oleiro a um casal de outras artes com vontade de continuar a tradição oleira em Redondo, mas que tem um público urbano e costeiro, habituado a outra paleta de cores, assim como pequenos hoteis de charme e restaurantes gourmet.
A Barru Pottery nasceu em 2014 e nos dois primeiros anos lançou três coleções: a Natura, em que utiliza moldes de fetos e outras plantas; a Brisa Marítima, com motivos onde dominam as estrelas do mar; e a Crochê.
E esta última coleção supreende, uma vez que a carimbagem não é feita com moldes mas com verdadeiros naperons de crochê, alguns com mais de 100 anos.

A olaria do Poço Velho é única em todo Redondo que apenas faz loiça utilitária e que mantém a tradição de ali se fazer o barro. E é também aqui que as peças são cozidas num forno do século XIX. O oleiro traz a argila de um dos vários barreiros que existem no concelho. Tem de se escavar pelo menos meio metro no solo até que ele adquira as propriedades desejadas. Depois, já na olaria, a argila é limpa em tanques com água, peneirada para retirar as impurezas e deixada a secar até ter a consistência que permitirá que as mãos de José Baetas as transformem em talhas, celhas, travessas, pratos e outros que tais.

José Baetas já passou os 50 e está sozinho na oficina. “Um oleiro tem de saber fazer tudo, não é só estar na roda. Há que conhecer e vigiar os tempos de secagem das peças, colocá-las no forno pela ordem correta para que se não partam, tratar de manter o lume à temperatura correta e depois saber vidrar aquelas que irão ter contacto com o lume.

O processo é longo e de descrição demorada. E é uma arte de saberes ancestrais que continua a fazer de Redondo o centro oleiro do Alentejo. “Este é um ofício que só se aprende na olaria e que não se começa aos 18 anos”. É por isso tão difícil a renovação geracional.

Mestre Pintasilgo

Em pleno centro histórico, na Rua do Castelo, José Mértola, por todos conhecido por mestre Pintasilgo, começou com 7 anos. Quando o conhecemos, sotaque cantado, olhar maroto e voz alegre, já leva 77 anos numa olaria. Tem agora 84 e todos os dias abre a porta e faz novas peças.

Na olaria da Rua do Castelo todos são bem-vindos
José Mértola é por todos conhecido como mestre Pintasilgo

Mestre Pintasilgo dedica grande parte do seu tempo à produção de peças decorativas. De motivos naíf, agora também figurativos, os pratos, travessas e púcaros de Redondo têm nos amarelos, nos verdes e nos azuis as suas cores. É uma tradição relativamente recente e de que ainda se recordam os nomes de quem a iniciou: Ti Isabel Garrocha, Tia Rita, Adriano Martelo e Álvaro Chalana começaram a pintar as peças e o êxito foi tão grande que se foi espalhando até se tornar uma marca distintiva da olaria de Redondo.

No seu local de trabalho ou na porta ao lado, sentado à frente da televisão, mestre Pintasilgo está atento aos passantes e a todos convida para conhecer a sua olaria. A entrada engana, dando para uma pequena divisão onde está o barro e a roda – colocada estrategicamente para que seja vista da rua. Dali parte um estreito corredor em direção à ampla sala onde a louça é cozida, pintada e vidrada.

As paredes estão repletas com as últimas criações de mestre Pintasilgo. Sim, porque o oleiro é também ele o pintor. “É preciso saber fazer um pouco de tudo”. Parece que nos repetimos, mas esta é, pelos vistos, uma máxima que todos fazem questão de frisar.

O velho mestre oleiro tem um olhar vivo e malandro e gosta de conversar. A sua alegria apenas por um momento se transforma em melancolia quando vê o jornalista interessado na sua história de vida: “Tinha 7 anos quando vim para aqui, eramos muito pobres, andávamos descalços e tínhamos de trabalhar”.

Mas o relato da sua infância, igual a tantas outras da mesma geração na sua severidade, é feito com uma dor que parece ensaiada. Foi tão repetidamente contada que parece já pertencer a outro e não a quem a relata. Porque mestre Pintasilgo gosta de receber pessoas na olaria e convidá-las a subir à muralha e à Porta da Ravessa. E fica todo contente quando elas se interessam pela sua arte.

São várias as olarias em atividade na vila de Redondo e em todas elas o visitante será bem-vindo e terá oportunidade para se fascinar com a ternura com que as mãos destes homens acariciam o barro, que se deixa moldar aos seus mais leves toques.

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