“Então, vai uma?”: o cante e as saias em Redondo
Os pasteis de bacalhau são o primeiros a desaparecer. O vinho vai acompanhando as piadas de quem está entre amigos que conhece bem e as brincadeiras e conversas cruzadas vão aumentando de volume e de interesse à medida que os pratos vão ficando mais vazios. Até que às tantas alguém pergunta: “Então, vai uma?” e as vozes poderosas de homens a cantar em grupo fazem vibrar as paredes. E o cante torna a taberna num local litúrgico.
Pelas ruas de Redondo ecoa então o cante. Há medida que a noite avança, e sempre que a alguém apetece, saem modas, saias e até fado. Canta-se pelo prazer de partilhar o sortilégio do coletivo, por se tornarem por momentos um só. E quando a última frase ainda ecoa, erguem-se os copos de vinho e trocam-se galhardetes.
Primeiro o petisco, depois o cante
Em Redondo, ainda se vai encontrando um grupo de amigos que se encontra para petiscar e cantar. Ou, melhor dizendo, que se encontra para o petisco com a certeza de que mais tarde ou mais cedo as gargantas se soltam.
O cante alentejano surge assim espontâneo, autêntico. Na taberna do Serafim, normalmente, que é dos poucos espaços que preserva a memória das antigas tabernas alentejanas. Tem nome próprio – o Engaço – mas por todos é conhecida pelo nome do proprietário. É ele quem se encarrega de que não falte combustível para que a música flua. Chegam ovos mexidos com farinheira, polvo, carne de porco e queijinhos curados. E, claro, o vinho que é bebido em copos pequenos, como pequenos são os goles que se vão dando.
Quando se dá por ela, o Zé Luís já foi buscar o acordeão, o Vidigal o cavaquinho. O David trouxe uma viola campaniça e o adufe veio pela mão do outro Zé Luís, As gargantas já estão aquecidas e a música flui, mas sempre voltando às modas.
A taberna enche-se e na rua há gente que se encosta às casas. Porque, como se disse, estes momentos ainda se vão encontrando mas não são muito comuns, seja aqui em Redondo ou em Montoito, uma das freguesias do concelho.
António Zé é o ponto. É ele a primeira voz, aquele que lança a moda e que os companheiros seguem em coros que são pontuados pelo alto, a segunda voz que quase sempre é de Zé Luís Cidade. Às vozes dos que já citámos juntam-se as de Quim Farias e Anastácio, a de Armindo e até as nossas.
É aqui que a magia acontece e a taberna se transforma num local de culto. O uníssono das vozes entra-nos no corpo e o arrepio acontece.
E quase todos estes amigos, convém dizê-lo, são membros de grupos de cante alentejano. Por isso as vozes saem afinadas e os tempos certos. Cantam nos Cantadores de Redondo e/ou nos Trovadores de Redondo. Quando começam a cantar, há sempre quem se lhes junte, que as saias e o cante são a cultura destas gentes.
São a planície e a solidão; o trabalho e o amor. São a vida.