Porto: alminhas da Ponte no cais da Ribeira contam história trágica
Por vezes não é fácil desligar do tumulto de sensações que invadem o visitante quando chega a um local como o cais da Ribeira, no Porto, e prestar atenção aos pormenores. Mas, por entre as cores, o rio e as gentes, há no muro um baixo relevo de bronze incrustado que merece um olhar atento e que conta um dos mais trágicos episódios da história do Porto: as Alminhas da Ponte.
O baixo relevo é considerado uma das ” mais inusuais manifestações artísticas neoclássicas da cidade do Porto” pela Direção-Geral do Património. Da autoria de Teixeira Lopes (pai), a obra foi construído em 1897 como marco da tragédia que ocorrera no início do século XIX. Ainda hoje, as gentes da Ribeira acendem velas que tremeluzem em memória das vítimas da tragédia.
As Alminhas da Ponte evocam o que aconteceu no dia 29 de março de 1809, quando milhares de pessoas perderam a vida no colapso da ponte das barcas, quando fugiam dos exércitos franceses.
A segunda invasão francesa
No início do ano de 1809, a vida das gentes do Porto decorria como habitualmente, sem se saber que o perigo espreitava de norte. Cerca de cinco meses depois de os exércitos franceses terem reconhecido a derrota e saído de Portugal, Napoleão Bonaparte chegava pessoalmente a Espanha à frente de 200.000 homens para de uma vez por todas resolver a questão da Península Ibérica. Os ingleses reagem e levam para a Galiza a quase totalidade do exército que mantinham em Portugal. O embate deu-se na Corunha com vantagem para os franceses. Regressado a França para combater os austríacos, o imperador deixou o seu II Corpo de Exército para perseguir os ingleses e com ordens de dois meses depois entrar em Lisboa.
“À medida que os dragões franceses pressionavam na direcção da ponte que constituía a última esperança dos infelizes habitantes, teve lugar uma cena de horror excedendo talvez qualquer outra das que têm conspurcado os anais da guerra.”Com ferocidade impiedosa os soldados sedentos de sangue espadeiravam para todos os lados, não poupando idade nem sexo. Inumeráveis vítimas indefesas foram assim destruídas e, como que para aumentar a intensidade do sofrimento, os primeiros dois barcos que suportavam a ponte afundaram-se sob a pressão do enorme peso, e massas de seres humanos foram precipitadas na torrente tumultuosa. Viam-se perseguidores e perseguidos agarrados freneticamente uns aos outros nos últimos momentos duma luta mortal, à medida que a forte corrente os arrastava do local da luta para a quietude da morte”.
Descrição contemporânea do barão de Eben, citado por Pedro de Brito
À frente deste exército estava o general Soult, que tentou atravessar a fronteira pela primeira vez perto de Caminha, mas sem sucesso. Consegui-lo-ia mais tarde nos arredores de Chaves e marcharia em direção ao Porto, onde chegaria no início de março desse ano.
No Porto, a linha de defesa era composta por 200 canhões entre a Foz e o Bonfim e uma guarnição de 5.000 homens, a maior parte sem experiência de combate. Juntavam-se aos regulares as milícias mal armadas e pouco disciplinadas e cidadãos da cidade que não hesitaram em defender a sua cidade. Os historiadores calculam que os franceses teriam pela frente 30.000 combatentes.
Soult fez um ultimatum para que as forças portuguesas se rendessem, mas quando este foi recusado começa a batalha do Porto. A 29 de março de 1809, o general francês atacou em força e conseguiu quebrar a linha defensiva. Os combates travam-se então nas barricadas que tinham sido erguidas nas ruas da cidade. A população, em pânico, foge para as margens do Douro e lança-se à ponte das barcas que aí existia.
Mas o peso dos milhares de fugitivos foi demais para a ponte, que cedeu, arrastando consigo para as águas do Douro milhares de pessoas. A maioria não sobreviveu, calculando-se que tenham perecido neste desastre perto de quatro mil.
É este triste episódio que as alminhas da Ponte evocam. O baixo relevo de Teixeira Lopes (pai) foi construído em 1897. Nele se pode ver em grande plano a defesa contra as tropas francesas e, em fundo, a ponte a ceder com os infelizes a serem arrastados pelas águas do rio. O baixo-relevo é protegido por um alpendre de ferro assente em duas consolas e a ladear o painel central está a consola para velas que ainda hoje é usada pelas gentes da Ribeira em memória dos que morreram a fugir dos exércitos invasores.
A ponte das barcas
A travessia do Douro fazia-se fundamentalmente utilizando barcaças, batelões, jangadas ou barcos, mas houve várias pontes de barcas – um tabuleiro contínuo assente em barcas – construídas com propósitos específicos ao longo dos tempos. Mas a primeira com um propósito mais duradouro foi inaugurada a 15 de agosto de 1806.
Projetada por Carlos Amarante, era constituída por 20 barcas ligadas por cabos de aço e que se podia abrir para deixar passar o tráfego fluvial. Foi esta ponte que ruiu quando a multidão em pânico passava sobre ela. Seria reconstruída depois do desastre até ser substituída pela ponte pênsil em 1843.
A ponte por todos conhecida como ponte pênsil, e oficialmente designada ponte D. Maria II, tinha um tabuleiro de seis metros de largo, mas duraria pouco tempo. Foi desmontada em 1887 após a inauguração da ponte D. Luís. Junto ao tabuleiro da bela ponte de ferro subsistem os dois pilares da ponte pênsil, bem como a memória da casa da guarda cujos ocupantes mantinham a ordem pública e recebiam as portagens merecidas pelo atravessamento do rio.
Falta dizer, e acho não estar muito enganado, ou pelo menos as leituras que fiz, falavam no irmão de Gomes Freire de Andrade, o tal que foi enforcado pelos ingleses, para general em comando das forças de defesa. Houve para aí uns patriotas, mais iteressados em sabe-se lá o quê, o poder, que substituiram essa gente afrancesada inclusivé com a execução, como foi o caso; essa mesma gente valorosa que acusou os outros de afrancesados e jurou sobre honra e valor defender a cidade, diz-se, foi a primeira a fugir deixando a cidade assim, perante o desastre. Honra e valor, sim sim, mas em q.b.