Solares, o castelo e pequenas histórias num passeio por Pinhel
Do alto do castelo até ao Campo da Trincheira, na colina fronteira, o centro histórico de Pinhel é marcado pela profusão de solares e casas senhoriais. Se nada mais houvesse para conhecer, um passeio por esta cidade da Beira Interior far-se-ia numa manhã, mas há que ver e fazer na Cidade Falcão.
Como temos de começar por algum lado, propomos o Largo Ministro Duarte Pacheco onde há estacionamento (pago). Aqui encontramos vários pontos de interesse e uma oportunidade de contextualizar a visita.
No largo deparamos logo com 3 solares, duas igrejas e o pelourinho. E, mais importante para o que aqui vimos fazer, o posto de turismo. Lá dentro, temos a informação necessária para o começo do passeio e, subindo ao primeiro andar, uma loja de produtos endógenos onde o mel, o azeite e o vinho são reis.
Este edifício do século XVIII foi construído para ser os Paços do Concelho e no rés-do-chão funcionou também a cadeia. Atente-se no brasão existente na parede lateral. É um pássaro empoleirado num pinheiro. Trata-se de um falcão que também verá, mais estilizado, em todas as placas turísticas informativas. O motivo é simples: Pinhel tem o cognome de Cidade Falcão, que lhe foi dado por D. João I e o porquê está entre a história e a lenda.
Subamos ao castelo, cuja muralha vai aparecendo por entre casas e quintais, que a cidade saiu da asa protetora da muralha e foi-a aproveitando como parede. Cá em cima, temos as duas torres do século XIII. Subamos à torre sul e lá de cima olhemos para a cidade e para as suas cercanias, de onde se destaca a Serra da Marofa. Para os lados da cidade, chamar-nos-à a atenção a Torre do Relógio – do século XIX – encimada por um catavento cujo galo, dizem, consegue adivinhar o tempo…
Encostado a esta torre existe um edifício moderno e de gosto duvidoso, mas que é um café agradável. Se for Judite Desterro a estar ao balcão está com sorte, porque poderá ver postais antigos da cidade e conhecer algumas histórias. Foi assim que soubemos das gárgulas.
Na torre norte, a de Menagem, a antiga porta estava a meia altura e era acessível por escada retráctil. Aqui, existe aquela que é por muitos considerada a mais bela janela manuelina da Beira Interior.
As gárgulas anti-castelhanas
Por norma, as gárgulas existentes nos castelos e igrejas são seres fantásticos e muitas vezes demoníacos. Mas na Torre Norte do Castelo de Pinhel, a história é outra. Na fachada virada a leste, as duas gárgulas existentes são um insulto aos castelhanos.
Aqui não há seres fantásticos, mas antes gárgulas antropomórficas a mostrar o traseiro a Castela. Não sendo um caso único em Portugal, não há muitos exemplos desta ofensa ao inimigo no nosso país.Num bom vernáculo, é a forma de a Cidade Falcão dizer que se está a cagar para os castelhanos. Hoje os tempos são outros e do outro lado da fronteira já não espreita o inimigo, mas a memória de outros tempos ficou assim gravada na pedra.
Continuemos o passeio, procuremos as portas ainda existentes. São João, São Tiago, Porta de Marrocos, Porta de Marialva e Porta de Alcavar são os seus nomes e pela última se acede à Torre do Relógio.
Solares e mais solares
Por todo o centro histórico encontramos solares e mais solares, a maior parte dos séculos XVII e XVIII, e mesmo os mais antigos como a Casa Gusmão, do século XIII, foram sofrendo diversas alterações ao longo dos séculos.
A Casa Gusmão fica mesmo ao lado da Casa Grande, o solar que, reza a lenda, foi edificado por diabretes. Voltámos à praça central com o pelourinho e à Igreja da Misericórdia. Em frente está a Igreja de São Luís que foi Sé Catedral durante o Bispado de Pinhel no século XVIII. A encimar a praça encontramos o solar dos Mena Falcão, onde hoje funciona a Câmara Municipal e onde me 1693 pernoitou D. Catarina de Bragança (que terá introduzido o chá na corte inglesa) quando regressou a Portugal após a morte de Carlos II de Inglaterra, seu marido.
Continuemos pelas ruas de Pinhel até desembocarmos na praça onde está o palácio barroco mandado construir por um Bispo, que já foi quartel de militares e onde hoje se situa a Casa da Cultura da cidade.
Aqui temos de fazer uma pausa e entrar, porque no interior do edifício de traça classicista está o novo Museu Municipal de Pinhel que, em 2016 recebeu uma menção honrosa da Associação Portuguesa de Museologia na categoria de melhor museu e alcançou o prémio de melhor trabalho de museologia. Este é um museu para se ver com calma.
Finalmente subamos em direção à frescura das frondosas árvores do Campo da Trincheira para conhecermos a bombarda que lá está.
A bombarda do Campo da Trincheira
Nas tercenas de Pinhel eram construídas no século XV peças de artilharia destinadas a defender a cidade de incursões castelhanas. No Campo da Trincheira – o aprazível parque da cidade – encontra-se ainda a única bombarda que sobreviveu completa ao tempo.
A bombarda pesa cerca de 1500 quilos e disparava a cerca de um quilómetro pelouros de pedra que rondavam os 40 quilos. Este é um dos mais importantes exemplares da pirobalística quatrocentista existentes em Portugal e está no local desde o início do século XX.
Há cerca de 25 anos – conta-se na cidade – terá havido um acordo com o Museu Militar para a bombarda ir até Lisboa. Judite Desterro falou-nos do episódio que não conseguimos confirmar mas que aqui contamos por ser divertido: No dia em que homens e máquinas se preparavam para retirar a bombarda, logo pela fresca, andava uma senhora a passear pelo Campo da Trincheira. Ao ver o aparato montado e depois de indagar o que se passava, correu a avisar as pessoas, os sinos tocaram a rebate e a população não deixou que a sua bombarda saísse de Pinhel.