Cantadeiras de Redondo: o cante no feminino

Quem disse que o cante alentejano é apenas coisa de homens? Na Rua do Castelo, em Redondo, um grupo de mulheres demonstra que o prazer do canto polifónico é para todos. As Cantadeiras de Redondo cantam e encantam.




Logo após o ponto ter dado o mote e o alto o ter sublinhado, o grupo ataca em coro o resto da moda. Se fossem homens, o corpo de quem os ouvisse seria invadido por uma sensação quase telúrica. Mas são mulheres quem canta e as emoções provocadas pela modelação das vozes e pelo conjunto harmonioso trazem uma lágrima marota ao canto do olho.

Na sede das Cantadeiras de Redondo, um grupo de uma dúzia bem contada de mulheres junta-se várias vezes por semana para ensaiar. Quando têm espetáculos, demonstram que o cante pode também conjugar-se no feminino.

Entre o tradicional cante e as saias – ou não estivéssemos em Redondo – Cristina, Zeza, Olívia, Ana Carla e todas as outras 19 que compõem as Cantadeiras de Redondo juntam as suas vozes num todo que resulta mais alegre do que o dos homens.

“Os homens impressionam mais no primeiro impacto e nós somos mais discretas”. Ana Carla Carvalho explica numa só frase a grande diferença entre o cante masculino e o feminino. É por isso que por muito que se estranhem as vozes femininas, entranham-se dentro de nós logo aos primeiros acordes. É por isso, também, que são sempre muito bem recebidas. “As pessoas estão habituadas àqueles grupos mais carregados, mas nós estamos sempre bem dispostas”.

Não há muitos grupos de mulheres a entoar o canto polifónico tradicional alentejano, mas nem sempre foi assim.

Cante no feminino
O ensaio começa descontraidamente

Mulheres sempre cantaram

“Ao contrário do que se pensa, as mulheres a cantar é uma coisa muito antiga, do tempo do trabalho do campo em que havia searas. As mulheres cantavam no campo, mas depois passou a ser uma coisa dos homens porque eles levaram o cante para as tabernas e as mulheres iam para casa quando chegavam do trabalho”. Depois, as mulheres “deixaram de ter o trabalho agrícola e ficaram em casa, não tendo tanta oportunidade para continuar”.

Quando a Ana Bravo, de microfone na mãe e auscultadores nos ouvidos, reforça que “as mulheres iam do campo e vinham para casa…”, há logo uma voz bem-disposta que atira: “eles também não gostavam, nunca fizeram por isso” e o pequeno grupo que se juntou à sombra na rua começa a rir.

o convívio é fundamental
O adufe entra quando se cantam as Saias

Rir e conviver é parte integrante do ser redondense, “um povo que vive a vida em festa”, como nos afirmou Janita Salomé. O cantor e compositor desempenharia um papel fundamental na criação das Cantadeiras de Redondo.

A ideia de criar um grupo feminino já andava a maturar. Mas tudo acabou por se precipitar quando Janita Salomé convidou o grupo de mulheres a cantar nos Reis. Formaram-se as Cantadeiras, começaram os ensaios e mais tarde a associação, que também organiza encontros de cante.

Os ensaios das Cantadeiras de Redondo são, eles próprios, uma festa. Aos finais de tarde de terças e sextas, a emblemática Rua do Castelo enche-se de modas e saias, mas também de conversas animadas e risos. Porque é raro faltar o petisco à mesa. E por isso, o enquadramento escolhido pelo Miguel Montez para o vídeo que publicamos tem a mesa em grande plano. É que os comes e os bebes são fundamentais para que a voz se desprenda. Ao fim e ao cabo, não é por acaso que os alentejanos têm o dito “com água ninguém canta!”

Por entre os enchidos e os queijos, as saladas e um copo de vinho das adega do Gaveto e de Redondo, a conversa vai saindo fácil e as brincadeiras sucedem-se até que, ainda à mesa, a Menina Florentina sai das vozes belas e as convivas se transformam nas Cantadeiras de Redondo.

Fundado em 2014, o grupo de cante feminino tem levado as suas vozes e a cultura e tradição de Redondo aos 4 quantos do país e já ganhou uma menção honrosa com “Adeus Convento da Serra”, uma moda original que fala sobre o Convento de São Paulo e a Serra d’Ossa, no festival Ponto&Alto, de São Miguel de Machede, Évora.

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