Ficar “chimpado” com Castro Laboreiro

Do planalto aos picos escarpados da serra da Peneda, é em Castro Laboreiro que se encontra uma das mais grandiosas paisagens de montanha do continente. Pela natureza, mas também pela forma como o homem soube fazer seu este território, é natural que se fique “chimpado” com a aldeia serrana do concelho de Melgaço.




Este é o território do lobo e agora também das cabras pyrenaicas, do garrano e da vaca cachena. São os céus das águias de asa redonda e da mais rara águia real. Aqui voam os grifos e saltitam os corços. No alto da serra da Peneda, ali onde Portugal se encontra com Espanha, o tojo e a urze imperam no planalto, enquanto as encostas são cobertas por carvalhos, vidoeiros e pinheiros silvestres.

Esta é uma das paisagens mais intocadas de Portugal, fazendo parte integrante do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Mas é também uma paisagem humanizada, que o homem escolheu há milénios para viver. Castro Laboreiro é uma aldeia de costumes e tradições antigas que o antigo isolamento ajudou a preservar.

Um território pleno de vida
No planalto de Castro Laboeiro

Fossem Gorriões ou Camarros, ou mesmo Truitinhas, os homens e mulheres que ao longo dos séculos habitaram Castro Laboreiro  conseguiram fazer seu um território de grandes fragas e penedios que não se deixaram moldar. Esta é uma terra de gente de vida dura, marcada pelo ritmo das estações, que fez do centeio e da pastorícia o seu ganha-pão e que tinham casa de inverno para fugir aos rigores da neve na zona mais alta. As brandas e inverneiras fizeram desta aldeia de 40 povoados um caso único no mundo.

O rio Laboreiro nasce no planalto e corre pelos vales da Peneda em direção ao rio Lima. Pouco depois da foz, corta ao meio a aldeia. Os que vivem numa margem ganharam o nome de Gorriões e os que habitam na outra eram os Camarros. Truitinhas são os que vivem mesmo no centro da aldeia. “Durante muitos anos, Gorriões e Camarros não se deram. Não tinham qualquer contacto e nem se falavam”, conta Filipe Sousa, filho de pais que quebraram a tradição e – quais Romeu e Julieta – viveram o amor antes proibido.

Castro Laboreiro, no alto da Serra da Peneda
A aldeia encostada ao morro do castelo

Este caráter moldado pela imponência da paisagem, pelos rigores das estações e pelo isolamento, faz dos castrejos gente especial, que desde sempre lutou para sobreviver numa zona pouco amiga do homem. De grande ajuda, nos tempos em que havia muito gado no monte, era o cão mastim de pelo malhado e olhos cor de mel. O Castro Laboreiro é um cão de guarda por excelência e são míticos os seus recontros com o lobo.

Terra de tradições

Aqui nesta aldeia remota, nunca ninguém comprou ou vendeu a lã que os seus rebanhos dava. “Vender lã dá azar, porque é para fazer roupa e agasalho. Ainda hoje, trocamos a lã por colchas, toalhas ou lencóis, mas não vendemos”, continua Filipe Sousa, enquanto leva as suas ovelhas a um novo pasto.

Com o declínio da pastorícia, o Castro Laboreiro esteve em vias de extinção, mas uma família tomou em mãos a preservação da espécie e os grandes e falsamente pachorrentos cães conseguiram sobreviver. “O Castro Laboreiro é um cão doce mas um óptimo guarda. Deixa as pessoas entrar, mas já não as deixa sair”, conta Sara Esteves que, juntamente com o marido e o filho, salvou a raça.

Depois de um pequeno percurso a pé a partir do Museu de Castro Laboreiro
Cascatas e azenhas em Castro Laboreiro

Com grande parte do território a fazer fronteira com Espanha, durante décadas a população de Castro Laboreiro teve no contrabando uma forma de vida. Pelos caminhos do monte, levavam-se vacas ou. em tempos precisos, minério, para de lá trazer o café, o sabonete e os artigos que deste lado escasseavam.

Depois veio a emigração. Nos anos 60 e 70, a maior parte dos homens foi para terras de França ganhar a vida. Muitos ficaram por lá. Nesses tempos de comunicações difíceis, as mulheres vestiam de negro completo quando os seus maridos iam a salto pelos caminhos do contrabando. Ficaram conhecidas como Viúvas de Vivos, como lhes chamou José Cardoso Pires.

Exigia-o a sociedade e o decoro próprio de quem no casamento já ia de preto e desde menina que não vestia roupas garridas. Usavam a capa de inverno e também os calções que aqui são de lã grossa e servem para proteger as pernas do frio e dos espinhos do mato. Tornavam-se Viúvas de Vivos para não serem apontadas na aldeia e para se precaverem de alguma desgraça que acontecesse em terras de França e cuja notícia demorasse a cá chegar.

Maria Olinda Gonçalves lembra-se bem do dia em que o seu marido partiu. “Tinha 19 anos quando ele emigrou e no dia seguinte saí à rua toda de preto. Não ia com este traje, mas usava calças ou saias pretas. As da minha geração foram as últimas viúvas de vivos. Quando ele chegou passados três meses disse que não me queria ver assim e como na altura éramos muitas mulheres novas na aldeia, apoiámo-nos umas às outras e deixámos de vestir de negro”. Estávamos em 1987.

Mamoas, pontes, castelo e moinhos

Esta é, como se disse, uma paisagem de que o homem se fez parte. Ao correr do rio Laboreiro encontramos os moinhos e as pontes romanas e medievais de pedra de um ou dois arcos. O núcleo central da aldeia é dominado por um imenso penhasco no alto do qual existe um castelo que teve tal importância no estabelecimento da nacionalidade que recebeu mesmo a visita de D. Afonso Henriques. E no planalto, encontramos a mais importante necrópole megalítica da Península Ibérica.

São histórias que nos podem deixar “chimpados” (pronuncia-se “tchimpados”). Os castrejos, mercê do isolamento do alto da serra e da proximidade das aldeias galegas, têm um falar muito próprio e com expressões únicas. Um chimpado é um tolo que o pode ser permanentemente ou ter ficado depois de ver qualquer coisa de único. Por isso, corremos todos o risco de ficar chimpados com a beleza, a história e as tradições de Castro Laboreiro.

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