Amadeo de Souza-Cardoso como nunca viu no Porto e Lisboa

Apenas o nome próprio basta para o identificar: Amadeo. Assim, tão simples, e só ao alcance de poucos. Primeiro o Porto e depois Lisboa fazem a festa a um dos maiores nomes da arte portuguesa do século XX. A exposição recria a que Amadeo de Souza-Cardoso organizou em 1916 no Porto e que incendiou paixões. É verdadeiramente um evento a não perder.

Em 1916 foi um escândalo e suscitou reações fortes. Houve quem cuspisse nos quadros e mesmo quem batesse no pintor. Agora chegou a vez da aclamação de um dos mais importantes pintores portugueses do século XX. Amadeo de Souza-Cardoso Porto-Lisboa 2016.1916 é a maior mostra de quadros do artista em Portugal e segue-se ao sucesso da exibição no Grand Palais de Paris.

Uma das mais conhecidas obras de Amadeo de Souza-Cardoso
Canção popular – a russa e o fígaro

A exposição está em exibição no Museu Nacional Soares dos Reis até 31 de Dezembro e no Museu do Chiado, em Lisboa, a partir de 12 de Janeiro de 2017. A mostra reúne 81 dos 114 quadros que o artista reuniu na sua primeira grande exposição em Portugal.

Quando Amadeo expôs a sua obra, mais de 30.000 pessoas viram-na em apenas 10 dias. Mas o sucesso de público esteve longe de corresponder ao aplauso geral. A pintura de Amadeo não era compreendida e chocou a sociedade portuense: que o artista devia ser internado foi o mais brando que se ouviu nos jardins Passos Manuel, onde hoje é o Coliseu do Porto.

A escolha do local pelo pintor foi estratégica. Quem fosse ao cinema ou aos chás dançantes deparava-se com os quadros de Amadeo.

Mas a exposição original teve também o condão de pôr as pessoas a discutir a arte moderna e Amadeo – um homem discreto por natureza – pela primeira vez não se limitou a deixar a sua arte falar. Acompanhou visitantes e jornalistas e deu mesmo entrevistas. Quando chegou a Lisboa, o grupo do Orpheu, com Almada Negreiros à cabeça, recebe entusiasticamente a exposição. Almada distribuiu um manifesto pelos cafés onde afirma: “a Descoberta do Caminho Marítimo p’rá Índia é menos importante do que a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa”.

Exageros à parte, de um lado e de outro, o que não se pode negar é a importância do pintor no panorama da pintura em Portugal e mesmo na Europa nos primeiros anos do século 20, mesmo não tendo vendido nenhum quadro no Porto e apenas um em Lisboa. Aliás, o aplauso veio já depois da sua morte prematura.

Reunidas 81 obras

A exposição que agora está patente no Museu Nacional Soares dos Reis e que em 2017 estará no Museu do Chiado tem 81 das obras que o artista mostrou na mostra original. Marta Soares e Raquel Henriques da Silva, as comissárias da exposição, identificaram as obras a partir dos catálogos originais, uma vez que não existem fotograficas da exposição de Amadeo de 1916. A maior parte das pinturas é de coleções públicas e particulares, pelo que esta é uma oportunidade única para ver um tão grande número de trabalhos do artista.

“As obras que Amadeo decidiu expor estão hoje dispersas por diversas coleções públicas e privadas. Reuni-las, procurando refazer os gestos e as opções do malogrado pintor é, em primeiro lugar, uma homenagem”, pode ler-se na descrição da exposição.

Amadeo de Souza-Cardoso Porto-Lisboa 2016.1916 é uma exposição que segue, tanto quanto possível, o itinerário decidido pelo pintor em 1916, uma vez que as obras estão colocadas na ordem decidida pelo artista há cem anos.

Amadeo de Souza-Cardoso
Amadeo

Amadeo 1887-1918

Amadeo nasceu em Manhufe, Amarante, em 1887 e morreu em 1918 vitimado por uma epidemia de pneumónica, em Espinho, com apenas 30 anos.

Filho de agricultores abastados que lhe custearam depois a sua estada em Paris, Amadeo de Souza-Cardoso começa a desenhar em Lisboa, para onde foi fazer os estudos preparatórios para Arquitetura na Academia de Belas Artes.

Com apenas 19 anos, ruma a Paris. Corria o ano de 1907 e o meio artístico parisiense fervilhava. Começa por se integrar num grupo de pintores portugueses – como Manuel Bentes ou Eduardo Vianna – mas rapidamente se afasta deste convívio. Este é um momento-chave na vida de Amadeo, que mergulha decisivamente no movimento modernista.

O Amadeo português torna-se então grande amigo de outro Amedeo – Modigliani – o pintor italiano, com quem faria uma exposição conjunta. Amadeo é um artista no centro da convulsão da arte em Paris. Conhece Juan Gris, Max Jacob e Diego Rivera, entre muitos outros.

Como habitualmente, todos os verões rumava à sua Manhufe natal e em 1914 foi aí que ouviu o estalar da 1ª Guerra Mundial, não retornando a França.

Em Portugal continua com uma forte produção artística e conhece Sonia e Robert Delaunay. Torna-se amigo de Almada Negreiros. Está, uma vez mais, no epicentro da convulsão.

“Na batalha pela agitação do meio artístico português, Amadeo teve um papel discreto mas relevante” afirma a historiadora de Arte Joana Cunha Leal, num texto para a Fundação Calouste Gulbenkian: “No final de 1916, numa conhecida entrevista que deu ao jornal O Dia, parafraseia largamente os manifestos de Marinetti. Não que as propostas do Futurismo o cativassem enquanto solução formal. A postura radical e modernista com que o movimento era identificada em Portugal, convinha todavia a Amadeo como forma de intervenção e motor de rutura com as estruturas tradicionalistas dominantes, que o haviam atacado por ocasião das suas duas únicas exposições realizadas em vida em Portugal”.

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