Irão: uma surpresa na fronteira

Na fronteira do Irão, espera-me uma surpresa. É a primeira vez que piso solo iraniano e estou ansioso por entrar no país. E esta é uma passagem diferente, uma fronteira terrestre, um passo para o desconhecido.

Já atravessei fronteiras de todas as maneiras, até de piroga. Mas em Kapikoї foi a primeira vez que passei a linha que separa os países a pé. Quando começo a andar estou na Turquia, no passo seguinte alcanço o que só existe na imaginação dos homens. São quase cinco da tarde quando chego à terra de ninguém.

Irão: a entrar noutro mundo

Sigo a pé. Nas minhas costas ficou a Turquia e a carrinha sobrelotada que me levou à fronteira. À minha frente Khameini e Khomeini olham-me nos olhos. Com bonomia o primeiro e com severidade o segundo, os rostos dos líderes religiosos do Irão estão pintados num grande mural do outro lado da fronteira. Não há dúvida, estou a entrar noutro mundo.

O palácio de Golestan
O Palácio de Golestan, em Teerão, é Património da Humanidade

Estou a entrar num mundo que há décadas povoa a nossa imaginação como o exemplo acabado do mal. Desde a tomada de reféns na Embaixada Americana em Teerão que o Irão é visto como sendo parte integrante do Eixo do Mal, como o país que suporta grupos considerados terroristas pela comunidade internacional. Os retratos gigantes de Khomeini, o líder dos Xiitas que tomou o poder em 1979, e Khameini, o atual Ayatollah, funcionam como uma mnemónica da história recente da Pérsia.

Rosto fechado e poucas palavras ao entrar no Irão

Atravessar uma fronteira a pé é uma experiência diferente e esta foi a primeira vez que o fiz na minha viagem do Cabo da Roca a Vladivostok. Após as autoridades turcas colocarem o carimbo de saída no passaporte passo o estreito portão e encontro-me na terra de ninguém. Estou no meio de uma estrada sem trânsito delimitada por alto gradeamento com arame farpado e tenho de percorrer a pé os cerca de duzentos metros que me separam do posto fronteiriço iraniano.

Tive sorte e boas pernas. Não tenho ninguém à minha frente, pelo que as formalidades fronteiriças irão demorar apenas o tempo que os guardas considerarem necessário. O controlo dos passaportes é igual a tantos outros: polícia de rosto fechado e poucas palavras.

— Tourist? — pergunta-me.

— Tourist —, confirmo.

Um olhar mais para o passaporte, uma última mirada para o meu rosto e o desejado carimbo de entrada.

Um homem com uma missão

Passo para a sala seguinte. Um outro guarda fronteiriço, uniforme verde azeitona e uma barba cerrada cuidadosamente aparada com pente dois, aproxima-se de mim com passos enérgicos. Traz um meio sorriso nos lábios. Vê-se que é um homem com uma missão.

Respondo automaticamente à sua aproximação, sorrindo e tirando a mochila das minhas costas para que possa ser inspecionada. O guarda alcança-me no momento em que poiso a bagagem na mesa, estende-me a mão, aperta a minha, abre o sorriso e diz-me:

— Não vou inspecionar-te a bagagem. Bem-vindo ao Irão.

E para que a minha surpresa seja ainda maior faz aparecer um rebuçado na mão que trazia estendida e oferece-mo.

Vinha eu preparado para uma inspeção profunda tanto das motivações para a viagem como da bagagem e tudo o que recebo é silêncio primeiro e um rebuçado depois.

Então e os meus estereótipos? Como é que vou funcionar sem os meus estereótipos?

mulheres no Irão
Em Teerão, um grupo de amigas

Viajar é colecionar pequenas histórias e o melhor viajante é aquele que chega ao destino sem preconceitos. Podemos ser organizados e estudar tudo, mas mesmo assim é evidente que seremos sempre surpreendidos. É por isso que viajamos, para nos surpreendermos com as paisagens, as cores, os cheiros e as experiências… mas fundamentalmente, para nos surpreendermos com as pessoas.

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