A última sargaceira de Castelo de Neiva
Os tempos em que vinham ranchos de homens e mulheres de madrugada até à praia para apanhar o sargaço há muito que já lá vão. Hoje, nos areais de Castelo de Neiva, em Viana do Castelo, apenas a sargaceira Céu Costa, 50 anos, continua a labuta de apanhar e secar as algas para mais tarde as utilizar como adubo.
No Campo do Mar, ali perto do porto de pesca artesanal, Céu Costa repete os passos que lhe foram ensinados pela sua mãe, erguendo à custa de braços mais um palheiro de sargaço. Em anos bons, chegam a alinhar-se quinze palheiros, em duas filas fronteiras que emprestam à paisagem da veiga, uma beleza especial. É por causa deles que existe hoje o Trilho dos Palheiros de Sargaço, de pequena rota circular.
De maio a setembro quando a baixa-mar não coincide com o pico do sol, Céu Costa percorre o areal entre a Amorosa e Castelo de Neiva, em Viana do Castelo, à procura de sargaço. Se o mar trouxe as algas, chama o irmão Alberto e, de forquilha na mão, lança braçadas para a carroça que há de depois fazer o trajeto até aos locais onde ficam a secar.
Sargaceira desde o berço
A última sargaceira de Castelo de Neiva fez outras coisas na vida. “Trabalhei muitos anos numa fábrica mas quando podia vinha ajudar a minha mãe e depois de ela adoecer voltei com o meu irmão e vou continuando”.
Céu Costa nem se lembra de quando começou como sargaceira. “Quando era catraia vinha com a minha mãe, e depois quando já estava na escola vinha com as minhas primas, trazia uma cestinha e ajudava a apanhar o que se encontrava na rocha e que se vendia na hora, num barracão que aqui tínhamos. Sempre o fiz e o que sei aprendi com ela”.
Eram outros tempos, em que o sargaço era uma parte importante do rendimento das famílias de Castelo de Neiva. Hoje já não é assim. “Antigamente, as pessoas viviam da pesca e do sargaço, mas hoje não. Agora ninguém vive do sargaço, mas sempre é um acrescento aos campos que temos”, diz Céu Costa, sem nunca parar o trabalho. Por isso, e por exigir dedicação, as pessoas foram aos poucos abandonando a agricultura do mar, até que a geração anterior deixou de o poder fazer.
Antigamente, ouviu Céu Costa de sua mãe, “quando a maré era às cinco e tal da manhã, as pessoas vinham para aqui logo às duas para roubar algum ao mar. Entravam mar dentro, ‘roubavam-no’ e o sargaço já não chegava a vir a terra”.
Era uma tentativa de conseguir mais sargaço, mas que nem sempre corria bem. “Ainda chegaram a ficar aí algumas raparigas novas”. É que o mar dá o sustento mas exige demasiado como pagamento e nesta ânsia de conseguir mais sargaço foram várias as moças que aí perderam a vida.
A arte do palheiro
Encontramo-la a fazer mais um palheiro, no Campo do Mar. A sargaceira vai colocando os ‘manelos’ criteriosamente, até que os tufos de sargaço – pois é isso que os ‘manelos’ são – construam um palheiro de secção retangular com cerca 1,80 metros de altura.
“Para construirmos o palheiro o sargaço tem de estar bem seco, senão apodrece”, conta Céu Costa. “Quando está calor, dois dias são suficientes para o secar. Antes de começarmos o palheiro, temos de pôr o lastro em baixo com palha para não chupar água da terra e só depois começamos a pôr os ‘manelos’”.
No final, quando o sargaço já se eleva a cerca de metro e meio, há que colocar os espetos de cana que irão sustentar o telhado que protegerá o palheiro da chuva. Esse é trabalho para Alberto. Com as estacas bem firmes perpendicularmente, Céu volta a subir para cima do palheiro e começa a construir o ‘cormo’, utilizando palha.
Vai colocando a palha com uma ciência aprendida com os antigos. ”Tudo o que sei aprendi com a minha mãe e com as sargaceiras antigas”. A disposição da palha obedece a um critério provado por gerações. No topo do palheiro virado a sul põe-se o ‘topete’ e virado a norte faz-se a ‘barrela’.
“Por causa da chuva do sul” há que fazer a palha ficar bem saída – “parece uma barbinha”. É este o ‘topete’ que fará frente à chuva mais batida, enquanto a norte, será a ‘barrela’ – mais semelhante a um beiral – a proteger o sargaço. Nem as ardósias que fazem peso para manter o conjunto podem tocar no sargaço. “Tem de se deixar um espaço, senão a água entra e isto apodrece tudo num instante” e depois já não aproveita à terra.
Assim, com estes cuidados, “os palheiros aguentam cinco ou seis anos. O palheiro vai acamando e o sargaço fica ruço por fora, mas lá dentro está na mesma. É claro que perde o cheiro ao fim de três ou quatro anos, mas ainda pode ir para a terra”.
O sargaço de maio
Entre maio e setembro, os dias de Céu Costa são passados também nesta autêntica agricultura do mar. Por altura do início do verão costuma ter já uns 15 palheiros alinhados, mas neste ano de 2016 em maio não houve algas. “Não sei porquê, mas este ano foi muito fraco em maio. Até perguntei a uns pescadores porque é que seria, porque não houve marés muitos fortes e não via nenhuma razão, mas eles disseram-me que lá ao fundo o mar anda muito forte. Pode ter sido por isso. É pena porque o sargaço de maio é muito bom”.
“Este ano tem sido fraco e as pessoas que já aqui vêm à praia há muitos anos até me dizem: oh Céu, este ano não há algas!”.
À conta da falta de sargaço, Céu Costa ainda se riu quando soube da inauguração do Trilho dos Palheiros do Sargaço. “Então inauguraram o trilho para verem os palheiros e eu só cá tinha um”.
No Campo do Mar, em Castelo de Neiva, os palheiros de sargaço de Céu Costa são hoje também uma atração para forasteiros. No Centro Cívico da aldeia – onde funciona a junta de freguesia – é possível visitar o pequeno mas muito interessante museu que retrata a atividade, mas só aos dias úteis e em horário de expediente.
E, claro, se se encontrar Céu Costa junto dos palheiros, pode sempre meter-se conversa. “Gosto de explicar às pessoas, porque muitas nem nunca ouviram falar. Mas não gosto de fotografias”.