Portugal de Lés a Lés

 

O Porto já não é milhafre ferido na asa

Ribeira do Porto

É com festa que se assinalam hoje os 20 anos da classificação do Porto como Património Mundial pela UNESCO. Há dança acrobática na ponte D. Luiz e espetáculos de luzes. Mas a melhor forma de assinalar a data é passear pelas ruas da cidade e constatar que o Porto já não é um milhafre ferido na asa.

Carlos Tê escreveu aquele que será porventura o mais belo hino de amor ao Porto e Rui Veloso deu-lhe a musicalidade que se impunha. A canção Porto Sentido não poderia ter outra forma, de tal forma é perfeita. Mas o que o poeta cantou foi um outro Porto, bem diferente daquele com que hoje nos deparamos.

Há muitos problemas por resolver na cidade e os investimentos na área do turismo que se sucedem em catadupa preocupam muitos. Mas se há vinte anos a UNESCO punha o ênfase no alto valor estético do centro histórico para o classificar como Património da Humanidade, hoje deveríamos acrescentar a capacidade que as suas gentes tiveram de se reinventar e de tornar a cidade como um dos mais atrativos destinos turísticos da Europa.

“Tanto como cidade, como realização humana, o Centro Histórico do Porto constitui uma obra-prima do génio criativo do Homem. Interesses militares, comerciais, agrícolas e demográficos convergiram neste local para dar abrigo a uma população capaz de edificar a cidade. O resultado é uma obra de arte única no seu género e de alto valor estético. Trata-se de um trabalho colectivo que não resulta duma obra pontual, mas sim de sucessivas contribuições”. Foi com esta justificação que a UNESCO declarou que o centro histórico do Porto pertencia a toda a humanidade.

Mas o Porto classificado era tristonho. As cores do seu casario tinham sido substituídas pelo cinzento do esquecimento. O Porto era então – na feliz analogia do poeta, como que um milhafre ferido na asa.

Mas tudo mudou e hoje o Porto é uma cidade vibrante. Para tal muito contribuiu a mudança de paradigma dos agentes turísticos. A ideia do turista pé descalço que não interessa foi deixada para trás. Todas as bolsas são boas para o tecido empresarial de uma cidade e de uma região. Os portuenses já tinham o património e empenharam-se em proporcionar experiências diferenciadoras a quem os visita.

Às igrejas e habitações, junta-se a gastronomia. A Francesinha saiu d’A Regaleira, ganhou carta de alforria e é quase aos 70 anos, é hoje tida como uma das dez melhores sanduiches do mundo. A ela aliam-se as tripas como prato identitário da cidade e o Vinho do Porto que é um dos seus melhores embaixadores.


Há a tradição e a modernidade. Há o rio Douro, os cruzeiros, as caves mesmo ali ao lado e todo o norte de Portugal. O Porto fez-se cabeça de cartaz de uma região ímpar. Quem chega hoje ao Porto pode vir à procura apenas do destino citadino ou de todo o norte. Muitos – a maiora – chega através das companhias low-cost que mostraram ser uma aposta válida.

O Porto soube reinventar-se.

Por isso, hoje é uma alegria andar pelas ruas do Porto e fruir do fluxo constante de pessoas de todas as nacionalidades. Há galerias, museus, restaurantes e cafés para todos os gostos. Há experiências diferenciadas. Mas acima de tudo, há cor. Já não é em tons pardacentos de milhafre ferido que o Porto se apresenta e atravessar a Ponte D. Luiz é hoje um colírio para os olhos.

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Jorge Montez: Nasceu e fez-se jornalista em Lisboa, mas quando o século ainda era outro decidiu mudar-se de armas e bagagens para Viana do Castelo. É repórter. Viveu três meses em Sarajevo quando os Balcãs estavam a aprender os primeiros passos da paz, ouviu o som mais íntimo da terra na erupção da Ilha do Fogo e passou cerca de um ano pelos caminhos do Oriente.
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