Pinhel, a cidade Falcão: onde lenda e história se cruzam
Há cognomes que os territórios ganham por artes do marketing moderno, mas Pinhel, a pequena cidade da Beira Interior, é conhecida como cidade Falcão há setecentos anos. Quem pela primeira vez utilizou a ave de rapina para designar a povoação foi D. João I. O nome ficou e é ostentado com orgulho pelos pinhelenses.
Há história e lenda por trás do nome, mas a verdade é que o falcão é parte integrante da simbologia de Pinhel desde tempos imemoriais. No seu brasão, a cidade é representada por um pinheiro, um falcão e um coelho.
A tradição diz-nos que o destacamento de Pinhel presente na batalha de Aljubarrota capturou o falcão preferido do rei de Castela e que foi por esse feito que o Mestre de Avis se passou a referir à então vila como Pinhel Falcão. Luciano Monteiro, o diretor do Museu Municipal não compra esta história: “Isso é claramente uma lenda, porque se eles tivessem capturado o falcão o mais provável era terem-no comido”, afirma, sorrindo.
Está na heráldica do concelho a resposta ao porquê do cognome pelo que a cidade é conhecida: Cidade Falcão. Um pinheiro no cimo do qual está um falcão e em cuja base se pode ver um coelho. “Ao contrário do que se possa pensar, o nome de Pinhel não vem de pinheiro nem de pinha. Na heráldica, o pinheiro é uma representação de proteção”.
Em boa verdade – e para que os factos desta história estejam corretos, só no século XVIII é que Pinhel é elevado à categoria de cidade. Até então, o cognome de Falcão era acrescentado ao nome da terra, tal como o fez D. João I.
Estamos em território fronteiriço e Pinhel foi até ao século XX uma praça-chave na defesa de Portugal. É essa prerrogativa que é representada pelas armas da cidade: uma praça forte e sempre vigilante cujas forças estão preparadas para cair sobre quaisquer inimigos que se apresentem. O Falcão representa a vigilância, a ave de rapina que está sempre lá no alto, atenta a tudo e que quando a ocasião se apresenta ataca o coelho, lá em baixo.
Em passeio pelo belo centro histórico de Pinhel, podemos verificar a evolução da representação da cidade. Na fachada do antigo hospital da Misericórdia – um edifício do século XVI – encontramos a mais antiga representação em pedra da heráldica pinhelense. Num registo um pouco naïf, o pinheiro é o centro de tudo, mas depois lá estão o falcão e o coelho.
Na parede lateral dos antigos Paços do Concelho – onde é hoje o Posto de Turismo – podemos ver de novo a mesma simbologia, já com o falcão a ganhar maior destaque. Só que aqui, aquando da implantação da República, os mais fervorosos resolveram decapitar a ave. Não havendo um símbolo real nesta representação, foi o pobre do falcão que sofreu a ira dos republicanos.
D. João I descreveu a cidade, então vila, como “Pinhel Falcão, Guarda-Mor do reino e senhorios de Portugal”. O diretor do Museu Municipal, afirma que independentemente da lenda, a verdade é que as “gentes boas de Pinhel” – como lhes chamou Camilo Castelo Branco – estiveram “sempre com o rei em todas as crises”.
Pinhel foi sempre um reguengo real e nunca um feudo. Fez sempre parte da Coroa, que aqui era representada por um Juiz de Fora e quando por uma vez foi doada o povo revoltou-se.
Entre a história e a lenda, o cognome de Cidade Falcão perdurou ao longo de séculos.
Uma verdadeira história / ou lenda, mas que faz do povo de Pinhel a sua grandeza.
Este é sem dúvida, nos factos históricos decorridos, o seu legado identitário.
Inácio Correia