O presidente do Turismo do Centro de Portugal afirma que mesmo nas zonas mais atingidas pelos incêndios de junho e outubro ainda é possível proporcionar aos turistas boas experiências, passando a aposta pelos produtos compósitos. Em declarações ao Portugal de Lés a Lés, Pedro Machado não esconde o grande impacto que as tragédias tiveram na paisagem e na procura, mas sublinha que “o Centro é muito vasto e tem uma grande diversidade de oferta turística”.
Portugal de Lés a Lés – Como é que se pode tornar o Centro atrativo para o turista, nomeadamente para o nacional?
Pedro Machado – Essa é a missão mais dolorosa que temos nos próximos tempos. Em primeiro lugar, estamos a reabilitar todos aqueles que tiveram prejuízos materiais através de medidas concretas. Foi criada uma linha de tesouraria pelo Turismo de Portugal que permite ter acesso a fundo de maneio imediato para que as pessoas se possam socorrer, e dessa forma puderem ser ressarcidas dos prejuízos, ganharem algum folgo e algum oxigénio, uma vez que além dos bens perderam também a operacionalidade.
Em segundo, foi feito uma ampliação do Programa Valorizar, que tinha 30 milhões de euros e passou para 60 milhões de euros e que vai permitir o ressarcimento de alguns prejuízos indiretos, inclusivamente para aquilo que era uma das marcas do Centro do país: os trilhos, os circuitos pedonais, as ciclovias, as ecopistas, as praias fluviais irão ter também uma linha de financiamento para poder acudir a essa emergência.
Em terceiro, estamos a tentar alterar um pouco aquela que foi a perceção criada de imediato junto dos consumidores, muito em particular dos portugueses. Houve, de facto, uma calamidade que foram estes incêndios de junho e outubro e as pessoas têm a perceção de que ardeu muita coisa, mas não se sabe bem o quê. O que estamos a transmitir aos consumidores portugueses, em primeira instância, é de que existem muitos produtos e muitas infra-estruturas que estão aptos a receber os turistas. O Centro não ardeu todo e mesmo naqueles municípios mais atingidos, como Oliveira do Hospital, há estruturas que estão lá e disponíveis. É evidente que a paisagem foi muito atingida, é evidente que aquele que era um dos nossos maiores activos foi destruído, mas existem outras valências: existe a cultura, existe a história, a gastronomia; existe o património – quer o material quer o imaterial – existem muitos dos nossos vestígios e recursos históricos que estão disponíveis para serem visitados mesmo nos territórios atingidos e essa percepção que estamos a procurar alterar na óptica do consumidor final.
Felizmente está a haver uma boa reacção. É evidente que houve quebras de reservas no período imediato aos incêndios, mas hoje começamos a recuperar e é neste sentido que estamos a trabalhar, procurando diversificar a oferta. O enoturismo é uma das fileiras para podermos diversificar a oferta nestes territórios. O coração da Bairrada, o coração do Dão, da Beira Interior, estão em pleno território que foi atingido pelos incêndios de outubro e é possível aí ter uma boa experiência gastronómica, uma boa experiência vínica, conciliar o estes dois com a saúde e bem estar, porque as nossas termas estão disponíveis.
O coração das termas de Portugal está essencialmente nos territórios do Dão e da Serra da Estrela e é possível através dos produtos chamados compósitos conseguirmos alterar a perceção pública e fazer com que as pessoas venham novamente.
PLL – Mas sem apelar ao turismo solidário… não é essa a vossa postura.
PM – Não é esse o espírito. Entendemos que houve uma fase para essa solidariedade nacional e há que dizer que nestas alturas da emergência, do desastre e da catástrofe somos – de facto – um povo único.
A percepção que temos e as respostas que recebemos dos nossos empresários é: venham, visitem e fiquem mas não venham por solidariedade. Venham porque temos bom produto, temos condições extraordinárias e por isso queremos fazer a apologia do que temos para além do que era uma das principais motivações da visita, que era a paisagem. Essa, de facto, foi atingida, mas felizmente que a mãe-natureza tem a capacidade de se renovar e hoje percebemos, depois das primeiras chuvas, que já há um manto vegetal que começa a nascer e que começa a pintar de verde todo aquele território de Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e Castanheira de Pera que estava pintado de negro e cinza. Mas é um tempo que é preciso para essa alteração.
PLL – Entretanto, as pessoas continuam a poder ter boas experiências em todo o Centro do País.
PM – O Centro é muito vasto. Não é por acaso que temos uma assinatura que diz que somos um país dentro do país. O centro de Portugal não tem características como as de outros destinos mais maduros, como o Algarve, o Alentejo, a Madeira ou Lisboa, que são normalmente destinos associados a dois ou três produtos turísticos.
O Centro de Portugal tem essa valência de ter vários produtos turísticos. Podemos pensar no turismo religioso, com Fátima, o turismo judaico, o Caminho Português de Santiago; podemos pensar na saúde e no bem-estar com cerca de 50 por cento das termas de Portugal; Podemos pensar na serra, e a serra da Estrela, parte da serra da Lousã, a serra do Açor, tem ativos que podem hoje ser fruídos; Podemos pensar na gastronomia… Estamos na Bairrada e aqui podemos deliciarmo-nos com pratos únicos no país, onde o leitão é uma referência mas onde podemos associar também o cabrito, a chanfana, os queijos, os doces…
A região Centro tem esta diversidade de oferta turística que lhe permite poder compensar – se é que tal se pode fazer – a diminuição da procura que se posa registar nesta fase.
Além do mais, tem também uma grande área geográfica. O Centro são 100 municípios, praticamente 5 vezes o tamanho do Algarve. Foram atingidos 59 municípios, direta ou indiretamente, por estes incêndios, o que significa que 50 por centro da região está praticamente intacta e por isso pode ajudar também.
Cidades como Aveiro, Coimbra, Leiria, Castelo Branco, parte do Oeste como Óbidos, Nazaré, Torres Vedras, Alcobaça, Tomar… há uma panóplia de produtos com que a região pode e deve continuar a afirmar-se e que pode, de alguma forma, compensar os territórios que sofreram esta tragédia.
E é esse o trabalho que estamos a desenvolver: apostar em produtos compósitos, procurar trazer operadores turísticos para que possamos mostrar que não ardeu o centro todo. As Jornadas do Enoturismo são um bom exemplo disso: é possível termos uma boa experiência com visitas temáticas a quintas, a espaços que estão claramente vocacionados e qualificados para o enoturismo, muitos deles com uma componente cultural muito forte, como é o caso das Caves Aliança, onde temos o Undergroud Museum, uma peça única no país e, atrever-me-ia a dizer no conjunto da oferta da Europa, onde a arte, o vinho e a gastronomia convivem bem.