Não muito longe vão os tempos em que homens e mulheres se levantavam antes do primeiro cantar do galo e se faziam à vida. Eles e seus burricos carregavam os cereais da terra, amanhada com suor, até aos moinhos de água, riqueza incontornável de Ul, para regressar mais tarde com a farinha. Já elas, ainda nem a aurora raiava, amassavam um pão que Deus abençoou: simples, de trigo, porém único em sabor e textura, agora a caminho da certificação.
O seu sabor singular e agradável resulta da mistura de farinha de trigo, sal, fermento e água, sendo a sua cozedura em forno a lenha – obrigatória – o elemento que lhe dá o toque especial. Um toque, que, aliado a métodos ancestrais de confeção, faz toda a diferença ainda nos dias de hoje.
Moldado em forma de “pada” – união de dois pequenos bolos de massa arredondados – de cor branco-torrado, possui uma côdea um pouco dura, mas estaladiça, e um miolo suave, pouco salgado e medianamente amargo. Outrora também se encontrava em “carreira” – quatro bolos -, tradição que, aos poucos, se foi perdendo, não obstante ainda se encontrar aqui ou ali.
Quentinho a sair do forno faz ‘crescer água na boca’ a todos quantos têm a oportunidade de o provar e, então, com uma manteiguinha a derreter no seu miolo fofo e macio, o pão de Ul consegue corresponder aos desejos dos mais exigentes profissionais do setor.
A caminho da certificação, este produto tem contribuído para a divulgação gastronómica, cultural e turística de Ul, terra que integra já a Rede de Aldeias de Portugal.
Um toque ‘doce’ ao pão de Ul
A par deste alimento distintivo das gentes ulenses e, de um modo geral, de todo o concelho, a regueifa de Ul surge, um pouco mais tarde, mas não deixa de fazer parte do melhor roteiro gastronómico de Oliveira de Azeméis. Trata-se de um pão doce de forma circular, cuja produção e venda está generalizada por todo o Norte de Portugal.
Os ingredientes são similares ao do pão de Ul: farinha de trigo, água, fermento e sal, sendo acrescentado o açúcar e a canela. Antes de serem colocadas a cozer em forno a lenha, são ‘pintadas’ com ovo batido que lhes confere o seu tom dourado… uma verdadeira delícia de “encher a boca de bom sabor”.
Atualmente, outros produtos derivados encontram-se já no mercado, como o pão com chouriço, com compota ou chocolate, todavia sem quaisquer referências ancestrais.
De geração em geração…
Enquanto molda em padas a massa que já havia preparado, Lurdes Resende conta-nos a ‘odisseia da sua vida’. Uma ‘odisseia’ que – arriscamos – é semelhante a tantas outras de famílias de moleiros e padeiras, que fazem a história de Ul, uma aldeia que pertence atualmente à maior união de freguesias do município que integra a sede do concelho.
Com 63 anos de idade – poucos mais dos que tem dedicado a amassar o pão -, nasceu entre padas e regueifas, ‘enfarinhada’ de amor e carinho por avó e mãe, também padeiras de Ul.
Vive no lugar do Souto desde sempre, ali onde o tempo parece ter parado entre masseiras, tabuleiros e fornadas. No entanto, “antes tudo era mais difícil. Já há máquinas de amassar que dão uma grande ajuda agora e que utilizamos”. Porém, uma coisa não pode mesmo mudar: “O forno tem de ser a lenha… isso é que dá ao pão de Ul o seu saborzinho especial”, conta Lurdes Resende, que o Portugal de Lés a Lés foi encontrar no Parque Temático Molinológico de Ul.
“Como vê, tenho mesmo que gostar do que faço, caso contrário não estaria aqui de boa vontade a confecionar o ‘nosso’ pão a um domingo à tarde para que as pessoas possam comprar e ficar a conhecê-lo”. É que, para além de padeira de Ul há tantos anos que a memória já não lembra, Lurdes Resende pertence à Associação de Produtores de Pão de Ul, que ali, no parque, em conjunto com a autarquia, todos os dias faz questão de ter para venda o ‘ex-libris’ desta Aldeia de Portugal.
Já a ‘nossa’ padeira – que tem a ‘garra’ da sua homóloga de Aljubarrota, mas que, ao contrário desta, é com amor que distribui os pães que faz – se o não fosse, “seria professora”. Uma vocação que, na verdade, não lhe passou completamente ao lado, já que a padeira não deixa de ser também ela professora, pois diariamente transmite o seu saber e a sua experiência às novas gerações que a procuram. Até porque “perpetuar o pão de Ul” é ponto de honra para a D. Lurdes.
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