Museu etnográfico Isilda Martins para conhecer em Proença-a-Nova
Durante 37 anos, Isilda Martins procurou objetos do quotidiano nas aldeias do concelho de Proença-a-Nova. Agora, a sua coleção está exposta no museu etnográfico que leva o seu nome em Sobreira Formosa, num espaço muito bem conseguido que deve ser visto por todos quantos forem até ao concelho do Pinhal Interior.
Das vivências caseiras até aos ciclos do linho e da resina, o museu etnográfico Isilda Martins, em Sobreira Formosa, mostra-nos a vida de outros tempos, de tempos em que “as pessoas se bastavam a si próprias”.
Num espaço coerente e interessante, as peças do museu etnográfico contam a vida como era antigamente. Há uma sala/cozinha, um quarto de dormir e roupa. Há uma memória de como era a escola e utensílios de sapateiro ou de marceneiro.
No módulo que representa o quarto de dormir, um berço de madeira sobressai ao pé da cama. “A cama é de colchão de palha, O marido dormia do lado de lá e a mulher deste lado. Quando a criança chorava, a mãe punha o pé de fora e embalava-a.”
A exposição é o resultado de 37 anos de procura por coisas velhas nas aldeias de Proença-a-Nova. Professora primária e ensaiadora do Rancho Folclórico de Sobreira Formosa, Isilda Martins procurava o que as pessoas já não queriam, ciente de que havia que preservar os utensílios de todos os dias que iam perdendo o seu uso. “Muitas pessoas diziam que eram coisas velhas que não interessavam a ninguém, mas hoje são objetos muito valiosos”.
Valiosos porque contam a história de como era a vida na primeira metade do século XX. Era uma vida dura, em que as pessoas tinham de se bastar com o que produziam e reutilizar sempre que podiam.
Os ratinhos de Proença
Exemplo dessa “vida de miséria” são os alforges e o chapéu dos ratinhos. Ratinhos chamavam-se aos homens que saiam todos os anos do concelho para irem à ceifa lá para os lados do Alentejo. Consigo, levavam a roupa que tinham no corpo e pouco mais. Os alforges que punham à cintura e onde guardavam o conduto e os seus poucos haveres eram remendados até à última, tornando-se em verdadeiras mantas de retalhos.
Já o chapéu do ratinho – a única peça exposta que foi comprada – era também o reaproveitamento de chapéus velhos, que eram forrados e reforçados pelo alfaiate para depois aguentarem o suor de 40 dias de ceifa e mesmo assim continuarem a proteger a cabeça dos homens que com esta migração sazonal tentavam equilibrar o orçamento familiar.
Os pobres e os ricos
Não é todos os dias que temos como anfitrião de um museu a pessoa que lhe deu o nome. Aconteceu-nos no museu etnográfico
Isilda Martins abre as gavetas onde estão expostas as peças de linho e estopa que as pessoas vestiam e diz-nos que “na Sobreira Formosa havia duas classes distintas. Os ricos, que tinham oliveiras, e os pobres que trabalhavam para eles. Os filhos dos ricos não estudaram e hoje as coisas inverteram-se.
A anfitriã está a falar da sua própria história. Quarta de oito irmãos, foi a única das raparigas a ir à escola e fez a 3ª classe, tendo depois saído da aldeia para casa da madrinha onde passou toda a adolescência.
Num dos expositores está aquele que é o primeiro relógio de Isilda Martins. “Todos os dias, às 9 e 15 ia para a janela ver passar a professora e no dia em que comecei a dar aulas passei muito tempo a olhar para ele até que o comprei com o dinheiro que me calhava da venda da casa do meu pai ao meu irmão”.
Deu aulas com a quarta classe
Nos anos 60 do século passado, para se dar aulas até à 3ª classe (atual 3º ano) bastava ter a quarta classe. Eram as chamadas regentes.
“o meu pai tinha 8 filhos e as minhas irmãs mais velhas nunca foram à escola, porque antigamente ela era só para os homens. Eu fui a primeira das filhas a fazer a 3ª classe na minha aldeia. Só fiz a 4ª classe quando tinha 25 anos e fui para regente escolar. Fiz o 2º ano (6º ano) aos 29 e depois fiz o 5º (9º ano) por secções. As regentes que já tinham o 5º ano podiam ingressar no Magistério Primário e foi o que eu fiz. Fui para Coimbra tirar o Magistério e, com a cabeça que Nosso Senhor me deu, saí de lá já com um carrinho pequeno, um Morris”.
De Coimbra, Isilda Martins regressou a Proença-a-Nova e passou a dar aulas em várias escolas do concelho, ao mesmo tempo que impulsionava o Rancho Folclórico de Sobreira Formosa. Nas suas idas e vindas pelas aldeias foi colecionando artefactos de outros tempos.
É o seu espólio que hoje pode ser visto no museu etnográfico que leva o seu nome, em Sobreira Formosa. O museu está aberto todos os dias da parte da tarde.