Isabel Marouço, a pastora-poeta da Serra d’Arga
Quando está lá no alto da Serra d’Arga a apascentar o rebanho de cabras, Isabel Marouço tem o mundo a seus pés. Vê o mar e a costa até perder de vista, o vale do rio Lima e os montes que se sucedem. Mas nestes momentos, prefere olhar para dentro de si e escrever. A vida fez dela pastora. Isabel é a pastora-poeta da Serra d’Arga que agora publicou um livro.
Quando acabou o secundário, Isabel não era diferente de todos os jovens. Queria mais do que os pais, uma vida diferente, e por isso se atirou aos estudos. Seria educadora e educadora se formou. Mas a vida nem sempre é justa. Isabel Marouço foi fazendo horários, lutando para cumprir os seus sonhos, até que percebeu que era na aldeia de Pedrulhos, um lugar da freguesia de São Lourenço da Montaria, em Viana do Castelo, que estava a sua vida.
Isabel Marouço passou a tratar dos rebanhos da família. Tem 80 cabras e também ovelhas. Com o marido trata dos animais e também das terras da família. E é quando vai para a serra, sozinha com o rebanho e os cães Leão e Reco, que Isabel olha para dentro, pega no telemóvel e vai escrevendo o que lhe vai na alma. Escreve sobre o amor, a família e a saudade. Escreve sobre si. Raramente fala sobre o que os seus olhos vêem. “E mesmo quando o faço é apenas o ponto de partida para falar doutras coisas”, diz.
Nas últimas semanas, a vida de Pedrulhos tem conhecido um rebuliço pouco comum. A notícia de que uma pastora tinha publicado um livro de poesia espalhou-se e jornalistas têm acorrido ao local. “Só hoje foram nove”, atira de cima de um muro um pedreiro para Isabel, que responde com o sorriso envergonhado.
Porque Isabel é uma mulher tímida. “Os meus amigos dizem-me que tenho mais jeito para escrever do que para falar”. Os seus olhos como que pedem desculpa, mas as expetativas dos jornalistas não são goradas. Ao Portugal de Lés a Lés, Isabel Marouço contou como não se sente “frustrada” pela vida que leva, mas não esconde que gostava de trabalhar na profissão que escolheu.
Esta é uma lição de vida. No dia em que fez 32 anos festejou-os com o lançamento do seu primeiro livro de poemas, “Pétalas de Vida”. Muitos, ao verem sair furados os seus projetos de vida, desistiriam. Mas Isabel encontrou dentro de si o motivo maior para subir à serra: escrever.
“É na serra que escrevo”
“É fundamentalmente quando estou na serra que escrevo. Passo lá muitas horas com as cabras e tenho tempo”. Não se sente sozinha, afirma, porque com ela vão sempre Leão e Reco, “dois companheiros muito gentis que me avisam sempre que vem gente ou que há algum animal por perto”. E que lhe fazem companhia. Os dois cães e a pastora têm uma relação forte, consegue-se ver. Quando Isabel se senta numa pedra para declamar aos jornalistas um poema, Reco e Leão aproximam-se, procuram o carinho da pastora e por ali ficam como que atentos às palavras que falam da saudade do avô, do amor da filha, de Deus, ou do cansaço da vida. E do sorriso, que acompanha a escrita da pastora-poeta.
Na serra, vai vendo a paisagem mudar embalada pelas estações e escrevendo. Sempre escrevendo. Agora, sempre que o rebanho sai para pastar alguém o acompanha. Quase sempre Isabel, mas quando ela não pode porque também cuida de idosos, outro membro da família sobe a serra. Mas nem sempre foi assim.
“Antes, deixávamos as cabras irem sozinhas, mas agora vai alguém sempre com elas por causa do lobo”. É que os lobos voltaram à Serra d’Arga e as cabras já sofreram com isso. “Uma vez houve sete animais que não voltaram. Ainda encontrámos o corpo de dois, mas os outros nunca mais vimos”. Por isso, agora, seguem sempre sob o olhar atento de um pastor e dos dois cães.
“Passo muito tempo na serra. Já cheguei a sair às 6 da manhã e só voltar às 3 da tarde. Depende das cabras. Elas é que decidem quando querem regressar. O pastor limita-se a vigiá-las, a verificar que nenhuma se perde e a não as deixar ir para alguns sítios”.
Lá no alto, diz, “nunca me sinto sozinha”. O primeiro anúncio de uma rede móvel, o célebre “tou xim?” caricaturava para mostrar que em qualquer sítio se podia falar. E hoje isso é quase uma verdade. Isabel Marouço fala com amigos quando está na serra, mas aproveita o telefone fundamentalmente para escrever, “porque consigo concentrar-me melhor quando estou sozinha”.
Sorrir é um verbo muitas vezes presente na poesia de Isabel Marouço. Gosta das rugas que ostenta porque cada uma delas é um sorriso que teve, um momento da sua vida.
Educadora de infância, professora de música nas atividades extra-curriculares do 1º Ciclo, a vida levou Isabel Marouço a fazer-se pastora. E esta é a grande ironia.
Se a vida lhe tem sorrido, de certeza que Isabel escreveria na mesma, porque é algo que faz parte dela, mas o seu livro “Pétalas de Vida” não atrairia a atenção que conseguiu. Porque não é todos os dias que uma pastora-poeta publica um livro.