Elvas é a maior fortaleza abaluartada terrestre do mundo e por isso mesmo é Património Mundial. A importância estratégica da cidade raiana foi desde cedo percebida, mas foram as edificações militares dos séculos XVII e XVIII que a tornaram inexpugnável.
Do forte de Santa Luzia ao forte da Graça, toda a praça forte de Elvas é um sistema defensivo redundante e o melhor exemplo em todo o mundo da arquitetura militar holandesa. As defesas da cidade nunca foram tomadas e, verdadeiramente, pouco foram postas à prova.
No Museu Militar de Elvas, que ocupa parte da muralha, o tenente-coronel Franco aponta para as muralhas e afirma: “a arquitetura da muralha permite que não haja nenhum ângulo morto. Todo o terreno pode ser varrido pelas bocas de fogo da defesa”.
Esta é a principal caraterística das muralhas abaluartadas. Os atacantes serão sempre postos à prova pelo fogo de artilharia defensivo, onde quer que se encontrem. A outra o ângulo com que a muralha é construída e que atenua o impacto dos projéteis.
Elvas tem um perímetro fortificado de oito a dez quilómetros e durante séculos manteve-se dentro das muralhas. Apenas no século XX, mais concretamente em 1947 é construído o primeiro edifício fora do perímetro fortificado. Tratou-se da Pousada de Santa Luzia, também conhecida por de Elvas, que foi a primeira do país e onde nasceu o famoso Bacalhau Dourado que dá fama gastronómica à cidade.
Génio e traição
É o conjunto composto pelas muralhas da cidade e pelos fortes de Santa Luzia e da Graça que tornam a cidade a maior fortaleza abaluartada terrestre do mundo. O forte de Santa Luzia é contemporâneo da muralha idealizada pelo engenheiro holandês Joannes Ciermens, conhecido em Portugal por Cosmander.
Cosmander veio para o nosso país a convite de D. João IV e a praça-forte de Elvas é o mais importante testemunho da sua arte, e foi ainda o responsável pela edificação das praças fortes de Estremoz e Olivença, entre outros. Cosmander teria em Elvas também a sua perdição. O engenheiro militar holandês foi apanhado pelos espanhóis durante as guerras da Restauração, quando viajava entre Elvas e Estremoz e passou-se para o inimigo. Foi então que – pouco depois – num cerco a Olivença, foi apanhado por uma bala quando tentava penetrar numa porta que sabia ser um ponto fraco da fortaleza.
O historiador Rui Jesuino conta-nos que depois deste episódio coube ao francês Nicolau de Langres fechar a muralha. É dele a obra coroa que prolonga a muralha para um outeiro adjacente onde hoje se encontra um moinho que resulta de um curioso episódio que nos é contado por Rui Jesuino e que o tornam num dos sete objetos com história para lá do óbvio que identificámos na cidade.
Forte de Santa Luzia
O forte de Santa Luzia, já o dissemos, é contemporâneo da fortaleza abaluartada da cidade e estava a ela ligado por um sistema de túneis que permitia a reposição de homens e a transmissão de ordens sob cerco. Edificado a sul de Elvas, o forte é a primeira linha de defesa. Em forma de estrela, tem muralhas largas em todos os seus panos, à excepção do que está virado para a cidade.
Uma vez mais, sãos os militares quem melhor explica o porquê. “Se o forte fosse tomado, seria varrido pelo fogo das posições de Elvas”, afirma o sargento-chefe Camponês apontando do cimo da fortaleza abaluartada para o forte lá ao fundo.
No interior deste forte, o guia José Manuel Martins conhece os cantos à casa e leva-nos por um túnel no interior da muralha, onde brincava quando era pequeno. O túnel, de 150 metros, leva direto até ao paiol do forte e é um dos muitos que existiam originalmente e o único que foi preservado.
Durante a Guerra da Restauração, a muralha da cidade e o forte de Santa Luzia eram as defesas da cidade, com Badajoz ali a apenas 8 quilómetros. Foi então que a 14 de janeiro de 1659 se dá aquela que ficou conhecida como a Batalha das Linhas de Elvas.
A fortaleza abaluartada fica completa
A cidade foi cercada por um exército de 12.000 infantes e 3.500 cavaleiros comandados por D. Luis de Haro. Dentro de muralhas, Elvas era defendida por 20.000 homens e 20 bocas de fogo. Se caísse, ficava aberto o caminho para Lisboa e o sonho de independência morria menos de 20 anos depois da aclamação de D. João IV como rei de Portugal.
A história é conhecida. Os portugueses rechaçaram o exército castelhano. Mas no alto do Monte Padrasto foram instaladas pelo inimigo duas baterias que flagelaram o campo de batalha e a própria cidade.
Para evitar que tal voltasse a acontecer, era necessário ocupar o monte com uma estrutura permanente. Foi esta a proposta do Conde de Lippe, o militar alemão que reorganizou o exército português.
O Forte da Graça começou a ser construído no monte de 404 metros de altitude em 1763 e apenas 30 anos mais tarde estaria concluído. Trabalharam nele 6.000 homens e 4.000 animais. Quando passou a ter uma guarnição permanente de 8.000 soldados era por muitos considerado o forte mais inexpugnável do mundo e fechava completamente a fortaleza abaluartada de Elvas.
O maquiavélico Forte da Graça
Vanda Batista, a responsável técnica pelo Forte da Graça, hoje recuperado e visitável, mostra-nos o porquê desse epíteto. Além das três linhas de defesa que protegiam o bastião, a própria casa do Governador era um quebra-cabeças para os assaltantes, juntando sistemas defensivos do mais moderno e até únicos aos que provaram nas guerras de cerco medievais.
“Vai havendo vários mecanismos para o inimigo não conseguir passar o reduto central, a casa do Governador, porque senão o forte seria tomado e, consequentemente, a cidade. Aos canhões do século XVIII juntam-se os mata-cães medievais, de onde se lançavam líquidos a ferver. Caso o inimigo conseguisse passar, temos uma porta de lanças individuais que tornavam impossível a passagem. E se mesmo assim o conseguissem, seriam atingidos pelo canhão pedreiro construído propositadamente para o Forte da Graça e que disparava lascas de pedra que provocariam a morte do inimigo sem danificar o edifício”.
Uma lição viva
Visitar Elvas é como ter uma lição viva da ciência militar através dos séculos, que foi respondendo às necessidades de crescimento da cidade e, mais tarde, ao poder de fogo cada vez maior da artilharia.
Logo no século X, os árabes constroem o castelo e a primeira linha de defesa. A cidade crescerá e obrigará à edificação, dois séculos depois, de uma segunda muralha. Elvas vai-se organizando intramuros e crescendo, mas não consegue resistir ao assédio dos reis cristãos, e D. Sancho II conquista-a em 1229.
Já no século XIV, e por iniciativa de D. Afonso IV, seria construída uma nova cerca de muralhas que ficou conhecida como cerca fernandina, por ter sido concluída no reinado de D. Fernando. Tinha 22 torres a proteger 11 portas, mas hoje pouco resta desta cerca, por ter sido utilizada para construir a fortaleza abaluartada dois séculos depois e que tornaria a cidade inexpugnável.
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