Elvas, a cidade-quartel
A história da cidade perde-se nas muralhas que sempre marcaram a silhueta de Elvas. A primeira, a muçulmana, no século VIII ou IX; a segunda, ainda sob domínio árabe, é do século XI; a terceira, “fernandina”, ficou pronta em 1369; e a quarta e última, a “seiscentista”, teve longa construção entre os séculos XVII e XIX, embora o núcleo principal tenha ficado concluído em torno de 1650. Reforçando a imagem de cidade-quartel, às muralhas juntam-se os Fortes.
Há quatro anos, a UNESCO considerou o valor universal do conjunto patrimonial constituído pela “Cidade-Quartel Fronteiriça de Elvas e suas Fortificações” numa área de 179 hectares, mas com uma área de proteção de 690 hectares, abrangendo todo o espaço em redor das fortificações.
Sendo a maior fortificação abaluartada terrestre do mundo, a classificação contempla sete componentes: o Centro Histórico, que integra as duas cinturas de Muralhas Árabes; a cintura de Muralhas Fernandina e a Cintura de Muralhas Seiscentistas; o Aqueduto da Amoreira; Forte de Santa Luzia; Forte da Graça; Fortins de São Mamede, São Pedro e São Domingos, que refletem um pouco a evolução do sistema de fortificação abaluartada terrestre holandês.
A localização fronteiriça e elevada da cidade levou à proliferação de edifícios militares, que são hoje 102, para albergar todas as tropas ali colocadas. A natureza militar moldou a forma de Elvas, já que foram muitos séculos com militares ali estacionados, chegando mesmo a ultrapassar bastante o número de habitantes da cidade.
Quando a lei do aboletamento, que obrigava cada civil a albergar dois soldados, se tornou insuportável, o rei ordenou a construção de quartéis, “que foram pagos pelos habitantes da cidade, para ‘se livrarem’ dos militares”, conta-nos Rui Jesuíno, historiador elvense e técnico do município. Os quartéis ainda estão presentes um pouco por toda a cidade, mas já sem as suas funções primitivas: alguns são oficinas-lojas de artesanato, o Quartel do Trem é a Escola Superior Agrária e os Quartéis do Casarão albergam o Museu Militar.
Quartéis e Igrejas
Guiados por Rui Jesuíno e outros técnicos da Câmara Municipal de Elvas começamos a visita na Praça da República em pleno centro histórico. Em dia de Procissão dos Pendões, integrada nas Festas de São Mateus, a cidade está engalanada e a praça movimentada, com as esplanadas cheias de elvenses e forasteiros (muito espanhóis) já a prepararem-se para a procissão. A praça é ladeada por edifícios brancos com lista amarela (o amarelo militar que domina a cidade-quartel), onde se destaca a Casa da Cultura (antigos Paços do Concelho) e o Posto de Turismo com um alpendre de mármore semiredondo.
Mas a vigia de toda a praça é a antiga sé (Igreja de Nossa Senhora da Assunção), que começou por ser mesquita do bairro, depois transformada em templo manuelino e mais tarde adaptada pelo barroco. Subimos a escadaria que leva ao adro da igreja, com a torre sineira a fazer lembrar uma fortaleza, cujos sinos irão repicar mais tarde à saída da procissão.
Na matriz vale a pena visitar a Casa do Cabido que hoje é um Museu de Arte Sacra. Subindo ao lado da igreja, até ao Largo de Santa Clara, deparamos com a pequena Igreja das Domínicas, octogonal e revestida a azulejo, no largo onde está o pelourinho manuelino e uma parte da cerca islâmica original e, em arco, a Porta do Templo.
Rui Jesuíno lembra que, além do património militar, Elvas – a cidade-quartel – tem um riquíssimo acervo religioso, com 20 igrejas e sete conventos. Seguimos pela Porta do Templo e continuamos em direção ao castelo, passando pela judiaria nova, com o historiador a confidenciar-nos que, mais abaixo, na judiaria velha “foi descoberta a maior sinagoga do País, que está a ser recuperada”.
Do castelo, inicialmente de construção muçulmana, tudo se avista à volta: do imponente Forte da Graça (agora recuperado e visitável) de um lado, ao Forte de Santa Luzia do outro, do antigo Colégio dos Jesuítas (hoje biblioteca com mais de 150 mil volumes), às planícies que ligam à vizinha Espanha, logo ali, bem como a cidade ‘irmã’ – Badajoz.
Uma cidade do século XXI
Mas a cidade-quartel, como fez questão de frisar o presidente da autarquia, Nuno Mocinha, “é também uma cidade virada para o futuro”. Com o seu Museu de Arte Contemporânea de Elvas (MACE) – o primeiro do País fora do circuito Lisboa-Porto e o único dedicado apenas a artistas nacionais –, que ocupa um edifício setecentista, antigo hospital civil; e o projeto da eurocidade Elvas-Badajoz já em andamento, que leva a que muitas decisões sejam tomadas em conjunto “como se de um único território se tratasse”.
O autarca não deixa todavia de referir que a classificação de cidade Património da Humanidade trouxe a Elvas muito mais turismo, maioritariamente de nacionais e espanhóis, mas também já de outras nacionalidades, salientando que infraestruturas e empresas do setor estão a proliferar, “para melhor receber quem nos visita”.