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Castro Laboreiro: um caso único no mundo

No topo norte de Portugal, lá no cimo da Serra da Peneda, há um território que o lobo reclama para si e que o homem insiste em habitar. Castro Laboreiro é terra de gente forte, que se adaptou à paisagem e onde o isolamento que só recentemente foi quebrado preservou uma cultura muito própria.




A mais de 1.000 metros de altitude, o homem teve de aprender a viver no território. Ao invés de outras zonas mais férteis no que é hoje o Parque Nacional da Peneda-Gerês, o terreno não foi moldado para servir o homem. Aqui a natureza impôs-se.

Castro Laboreiro tem uma caraterística que a torna única no mundo. O povoado está separado em três distintos tipos de ocupação. Nas zonas mais abrigadas no vale que se forma logo por baixo do planalto existem aglomerados de habitação permanente. E, depois, temos ainda as brandas e as inverneiras de origem castreja.

Branda dos Portos

A ocupação destes dois últimos tipos de aldeia não é permanente, sendo antes utilizadas consoante o clima que se faz sentir. As inverneiras, indica-o o nome, estão nas encostas escondidas ao vento norte da Serra da Peneda e são utilizadas de inverno. Já as brandas, percebemos agora o seu nome, são habitação durante os meses mais quentes.

Este esquema  adaptado ao clima é de alguma forma comum em zonas de alta montanha. O que torna Castro Laboreiro um caso único no mundo, ao que nos dizem no Centro Interpretativo de Lamas de Mouro, é o facto de as brandas serem a primeira habitação. As pessoas viviam aqui entre fevereiro/março e o final de outubro, deslocando-se depois para as inverneiras.

Repare-se que utilizámos o passado. É cada vez menos comum as pessoas descerem para as inverneiras. A culpa está nas alterações climáticas. Ainda neva cá no cimo da montanha, mas com muito menos intensidade do que há uma vintena de anos.

Quando chega, a neve fica por apenas alguns dias. Já não há aqueles invernos em que as brandas poderiam ficar isoladas durante semanas a fio. Agora, as inverneiras vão sendo aproveitadas para turismo rural.

Turismo sustentável

A Castro Laboreiro já não chegam autocarros carregados de gente com pouca paciência, barulhenta e máquina pronta a disparar. Quem cá vem sabe ao que chega e procura o turismo de natureza e o que torna “esta vila em forma de aldeia” (para usar a feliz expressão do jornalista Rui Barbosa Batista) tão única.

E, assim, a vila de montanha foi-se adaptando. Os seus habitantes partilham com gosto os saberes e gestos milenares, há alojamento de qualidade e a história e a beleza da paisagem são partilhados com que os visita. Para conhecer a branda dos Portos e as inverneiras, pode-se percorrer o Trilho Castejo de pequena rota que nos leva encosta abaixo por entre pontes de arco celtas, romanas e românicas e bosques de carvalho-alvarinho e videoeiros.

Das casas de pedra do centro da aldeia ao castelo do início da nacionalidade que parece ali ter pousado nos grandes penedos, e que foi mandado construir por D. Afonso Henriques, o núcleo principal de Castro Laboreiro impressiona como exemplo de preservação e tenacidade das gentes que o edificaram em zona tão agreste. A ocupação humana deste território é contada no Núcleo Museológico de Castro Laboreiro.

O planalto de Castro Laboreiro

É no  planalto de Castro Laboreiro que encontramos os mais antigos vestígios da presença humana na região. A mais de 1.100 metros de altitude, existe aquela que é a maior necrópole megalítica do país. Em território do município de Melgaço foram identificados perto de 60 mamoas, a maior parte ainda com o dólmen no seu interior.

Há 62 antas e mamoas no planalto de Castro Laboreiro

As mamoas não são monumentos que impressionam imediatamente o visitante. São antes pequenos altos artificiais que escondem no seu interior os dólmens dentro dos quais eram depositados os corpos.

É aqui, ainda, que se podem descobrir as gravuras rupestres do Fieiral na superfície de dois afloramentos graníticos. Este é um conjunto de símbolos geométricos e simbólicos e simbólicos esculpidos no Bronze Final e início da Idade do Ferro.

O lobo ibérico

Aqui, em dias mais amenos, manadas de garranos pastam a urze ou a carqueja e as vacas de raça cachena fazem-lhe companhia. Os pequenos mamíferos já foram para outras paragens mais a salvo dos chumbos dos caçadores e o javali voltou agora em força.

Porta do Parque Nacional de Lamas de Mouro

Para um primeiro contacto com este território único, o local ideal é a Porta de Lamas de Mouro, a primeira das cinco portas do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Aqui poderá ter toda a informação sobre a zona, o que fazer e como fazer e pode ainda ver as exposições. Os técnicos de turismo da Câmara Municipal de Melgaço aí colocados dão-lhe toda a informação de que precisa

Este é um território de caça por excelência para o Lobo Ibérico.

Sem predadores naturais, o lobo deveria ser aqui abundante, mas a coabitação com o homem nunca foi pacífica e as gentes de Castro Laboreiro levaram a melhor. No último censo, no início do século, foram identificados entre 200 e 400 animais. Um número que não diz respeito ao território do concelho de Melgaço, mas a todo o país.

Hoje serão mais, e certezas quanto ao número nunca houve. Para se contar a população de lobos, procuram-se os seus vestígios. Encontrado o local regressa-se de noite e uiva-se. “O lobo responde aos nossos uivos e assim podemos contar o seu número”.

E quando o lobo uiva, o som como que penetra nos ossos. É um sinal de alerta quase atávico que demonstra a difícil relação que o homem sempre com ele teve. Num ciclo sem fim, o lobo chegava pela calada e caçava as cabeças de gado, fazendo assim perigar o sustento destas gentes que vivem em terra de penedios.

As pessoas ripostavam com armas desiguais. Faziam batidas ou limitavam-se a aguardar no final dos fojos, antigas armadilhas de muros em forma de V onde colocavam um animal como isco.

Mudar mentalidades, todos o sabemos, é o mais difícil, mas hoje a presença do lobo é vista por muitos como uma mais valia para as populações, como elemento distintivo.

Nas encostas escarpadas da Serra da Peneda voltou a ouvir-se o balido da cabra montês. A sub-espécie que habitava o território português foi extinta e os grupos que hoje já se vão vendo vieram da Galiza. O primeiro fato, ao que se diz, atravessou a fronteira a salto depois de um caçador ter deixado no terreno duas cabras mortas. Como os fatos não têm mais de uma vintena de indivíduos, os grupos foram-se separando e crescendo em número e hoje voltam a fazer parte da agreste paisagem da Serra da Peneda.

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Jorge Montez (texto) Miguel Montez (imagem): Jorge Montez nasceu e fez-se jornalista em Lisboa, mas quando o século ainda era outro decidiu mudar-se de armas e bagagens para Viana do Castelo. É repórter. Viveu três meses em Sarajevo quando os Balcãs estavam a aprender os primeiros passos da paz, ouviu o som mais íntimo da terra na erupção da Ilha do Fogo e passou cerca de um ano pelos caminhos do Oriente.
Miguel Montez - Mesmo quando não está com a máquina pensa nas cores e nos enquadramentos. A fotografia é paixão e vai ser profissão. É curioso por natureza. Gosta de conhecer locais e pessoas e delicia-se quando descobre sabores novos. Este é um projeto à sua medida. Já foi voluntário no estrangeiro e tocou em festivais de música.

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