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Quando todos os caminhos nos levam à Torreira…

O extenso areal da Torreira

À laia dos mais jovens, vestimos os calções, calçámos as sapatilhas, colocámos os óculos de sol e o boné, e rumámos à vila da Torreira. Porque a beleza é para se sorver no seu total esplendor e com todos os sentidos, deixámos o automóvel um pouco antes da conhecida Ponte da Varela e ala que se faz tarde. A praia espera-nos.




Percorremos de bicicleta os restantes quilómetros que nos separam do mar. Uma rede de ciclovias proporciona-nos o agradável passeio, manhã bem cedo, transitando paralelo à ria. À descoberta de aventura ou, simplesmente de paz, sossego e serenidade, o trilho permite-nos desfrutar de sons e aromas singulares, que só a natureza – entre a ria de Aveiro e o oceano Atlântico – nos proporciona.

A nascente, o sol inicia o seu trajeto em jeito de arco-íris. Ainda a despontar no horizonte, aquece-nos já o corpo e a alma, para mais logo vir descansar no mar quase sempre agitado – ótimo para a prática do surf – da praia da Torreira, que já adivinhámos ao longe, por entre dunas e passadiços.

Cenário perfeito na Torreira

Entretanto, pousámos o olhar em pequenos esteiros, ribeiras, cais e ancoradouros, ao longo das margens, onde repousam aves das mais variadas cores e tamanhos. A vegetação pincela, aqui e ali, quadros impressionistas à laia de Monet e Renoir. Barcos moliceiros, com as suas proas e rés elegantíssimas, dão um colorido artístico mais realista à paisagem, sobressaindo os seus belos desenhos de contornos humorísticos. Mais à frente, duas bateiras, alinhadas, completam o cenário.

As águas estão límpidas e convidam a molhar os pés mesmo àquela curta hora de uma manhã que promete um dia de intenso calor. Parámos uns quantos minutos e fizemos a vontade ao corpo, apreciando a arte e o engenho de alguns amantes da pesca à linha. Entre um trago de água e um respirar fundo que enche o peito e faz voar a mente, vislumbrámos já muito próximos a Estalagem Riabela e a marina do Clube de Vela, indicadores de que a primeira rotunda em direção à praia está já ali, a dois passos, ou melhor, a duas pedaladas.

O cheiro a maresia e o som das gaivotas confundem-se com as vozes e a azáfama que existem no areal. Muitos pescadores regressam da faina e arrastam, areeiro arriba, as redes cheias de peixe ainda a saltar borda fora.


Como é bela a praia da Torreira manhã bem cedo em dia que acordou sem o tradicional nevoeiro; e como familiares e hospitaleiras são as suas gentes, que apregoam o produto do seu suor e, quantas vezes, das suas lágrimas.

Um areal extenso abre-se aos nossos olhos, uma característica já tão rara na costa marítima desta área geográfica, unindo a praia da Torreira à de S. Jacinto (a sul) e à do Furadouro (a norte), num total de cerca de 25 quilómetros.

A areia ainda está fria e esculturada por milhares de patas de gaivotas, que agora sobrevoam, em bandos de centenas, as redes do pescado fresco.

Colocámos o para-vento – a brisa é ainda agradável, mas dentro de algumas horas levantar-se-á o habitual ‘ventinho’ característico da Torreira –, estendemos a toalha e ficámos ainda mais animados: à nossa frente esvoaçava bandeira verde. Espreguiçámo-nos e por ali mesmo ficámos, olhando o mar, sentindo-lhe o cheiro e escutando a voz das suas ondas

E… bom apetite!

Falar de apetite, quando o sol já esquentava a pique do meio-dia, é pouco. A fome apertava mesmo. E a imaginação dava-lhe um toque de verdadeiro ‘empurrão’: só conseguíamos pensar numas enguiazinhas de escabeche para começar e uma caldeirada de peixe bem à moda da Torreira, não sem antes provar uma saladinha de polvo e uma ameijoazinha à bolhão pato, ou um camarãozinho para entrada. E se bem o pensámos… melhor nos deliciámos. A grande questão foi escolher o local, tendo em conta as numerosas alternativas de restauração, ali mesmo junto à praia.

Feira de artesanato e produtos regionais

O café foi saboreado num dos vários bares implantados na avenida principal frente ao mar, numa esplanada de cadeiras de praia e puffs com os pés enterrados na areia, debaixo de um enorme chapéu de sol, pois este escaldava.

Com o estômago bem aconchegado, uma voltinha pela vila impõe-se para fazer a digestão. Com variado comércio para ‘souvenirs’ e outras ‘coisas que tais’, um pouco de tudo pode encontrar-se por ali.
Logo ali próximo à Praça da Varina, a típica feirinha de produtos regionais e artesanato é ponto de paragem obrigatória para se apreciar o que de melhor se faz por terras murtoseiras.

Jovens ‘deliram’ com o S. Paio

Ainda nem setembro ‘deu à costa’ e a malta nova já só pensa no S. Paio da Torreira, qual festival onde campismo e reinação andam de mãos dadas. Dorme-se de dia para passar-se a noite na farra. É assim há muitos anos, numa romaria que leva à vila e à praia propriamente dita milhares de forasteiros, ávidos de folia e patuscadas, nos primeiros dias setembrinos.

A folia nas festas de S. Paio

Trata-se de uma das maiores e mais típicas romarias da região Centro Litoral, que atrai multidões, unidas pela fé ao santinho cuja capela confronta com um belo parque de merendas. E se a religião traz milhares à Torreira e cumpre, anualmente, a ancestral tradição desta zona marinha, o profano dá nisso uma estrondosa ajuda, com os concertos, de cariz popular, a juntar o povo na Praça da Varina, enquanto no areal, por aqueles dias (ou melhor, noites), têm lugar as ‘beach parties’ e, por fim, o tão famoso espetáculo do fogo de artifício.

Os festejos em honra do S. Paio da Torreira cativam gentes vindas dos mais variados cantos do país, que assistem ainda às famosas corridas de bateiras à vela, de chinchorros e à grandiosa regata de Moliceiros, principais atrações turísticas a que se alia sempre um cardápio gastronómico incomparável..

“O santo bêbado”

S. Paio foi um mártir com apenas 12 ou 13 anos, que terá dado a vida em defesa da sua fé, que nunca rejeitou nem mesmo em troca de ofertas de riqueza e liberdade. Reza a lenda que o jovem estava preso como refém dum Rei Mouro e era a garantia do regresso do tio. Este tinha sido libertado, condicionalmente, para encontrar a forma de pagar o resgate de ambos.

Paio, “menino-prodígio” com grandes qualidades e virtudes, inflexível na sua adoração a Deus, foi cruelmente torturado pelo Rei Mouro, feito em pedaços e posteriormente lançado ao Rio Guadalquivir, conta a estória.

Uma das razões que terá contribuído para a popularidade da celebração é o facto de o santo ser molhado em vinho. Conta-se que, no passado, por altura da festa, a imagem de S. Paio era colocada ao lado de uma tina de vinho na qual eram depositadas oferendas, tudo aquilo que os pescadores consideravam de valor. Posteriormente, banhavam a imagem com o néctar, provavelmente como resultado da embriaguez dos crentes nestes dias festivos. Apesar deste ritual já não se realizar, o Santo continua a ser visto pela população como o “santo bêbado’, que, arriscamos dizer, faz jus aos muitos excessos que se cometem neste período na Torreira.

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Ângela Amorim: Gosta de pessoas, de as ouvir e de contar as suas histórias, e por isso se tornou jornalista. Fez toda a sua vida profissional em terras de Entre Douro e Vouga por opção, porque não é apenas nos grandes palcos que se conhecem grandes protagonistas e em todo o lado há histórias que merecem ser contadas. Jornalista, chefe de redação e diretora de vários meios de comunicação social regionais ou dirigidos às comunidades portuguesas.
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