Portugal de Lés a Lés

 

Os eremitas que moldaram a Serra D’Ossa

A Serra d’Ossa já lá estava plantada no meio da planície, imponente nos seus 653 metros de altitude. Mas foram os monges eremitas que a moldaram ao longo dos séculos e lhe deram a magia que hoje encerra.




E até pela sua herança e de quem dela cuidou, a vertente do concelho de Redondo escapou ao flagelo do eucalipto. Na encosta virada a sul, quem reina são os sobreiros, os azinhos, o pinheiro e o medronho. Mas há também muitos estevais, pinheiros, oliveiras e até laranjais. É esta a serra que o homem soube bem tratar e preservar.

Ruínas da capela de São Gens

Quando os primeiros monges eremitas lá chegaram, vai para mil anos, há muito que a serra era habitada por gentes que a viam já como lugar sagrado. As muitas antas que existem nos seus contrafortes são a prova que ficou. Mas também o achado – vai para uns anos – daquela que deve ser a única ânfora fenícia com vestígios de vinho descoberta no interior do país.

A ânfora foi desenterrada no ponto mais alto da serra, em São Gens, nas imediações das ruínas da capela que por ali se mantém no meio de uma profusão de antenas de telecomunicações. Daqui tem-se um panorama em 360 graus como não haverá outro no Alentejo e, por isso, era aqui que os rebanhos se juntavam para receber a benção de São Cornelho. Mas isso são outras histórias.

Eremitas, cavernas e antas

Os monges eremitas terão chegado à Serra d’Ossa no século IV, mas com maiores certezas sabe-se que se estabeleceram definitivamente durante o período da reconquista. Foram eles, primeiro em pequenas cavernas ou aproveitando o que encontravam, e mais tarde em conventos, que moldaram a região.

O "buraco da alma"
Igreja de Nosso Senhor do Monte da Virgem
Muros conventuais

A Anta da Candeeira, junto à Aldeia da Serra, conta-nos o que pode ter sido a história deste território. Lugar de enterro do neolítico, a anta tem no esteio da cabeceira um buraco redondo. Conhecem-no as gentes como o “buraco da alma”. Rui Mataloto, arqueólogo da Câmara Municipal de Redondo, coloca a hipótese de ter sido feito por um eremita que utilizou a anta como retiro.

Os monges eremitas fundaram vários mosteiros na serra, o último dos quais – o de São Paulo – é hoje um hotel rural e também museu. Mas há vestígios de pelo menos um outro e os historiadores acreditam que a comunidade tenha construído dois outros anteriores. O que se sabe é que já no século XIV foram alvo de vários privilégios reais e papais.

O Convento de São Paulo

Foi já no século XVI, mais concretamente em 1578, que o Papa aprova a Congregação dos Monges de Jesus Cristo da Pobre Vida e foi a partir de então que começou a construção do convento que chegou aos nossos dias.

Este sempre foi um convento acarinhado pelos reis portugueses. D. Sebastião passou por aqui na sua última viagem que terminaria em Alcácer Quibir. D. Catarina de Bragança também para aqui veio depois de enviuvar do rei inglês Carlos II e o mosteiro serviu também como colónia para os chamados meninos de Palhavã, os filhos bastardos de D. João V.

O Convento de São Paulo não cabe no Rossio, em Lisboa

Foram os cerca de 70 monges que viviam no convento que moldaram a serra. Aos jardins, horta e socalcos de xisto que existem na vertente sul da serra, juntam-se os laranjais que plantaram, as várias fontes que se encontram e os muros conventuais.

A última grande intervenção no convento deu-se já no século XVIII, mas foi sobretudo ao nível da decoração e é deste período que datam os painéis de azulejo que constituem a maior coleção in situ de Portugal e de tão grande qualidade que se chegou a equacionar que o Museu do Azulejo aqui fosse aberto. Aqui existem painéis dos principais mestres portugueses do século XVIII: Gabriel del Barco, P.M.P e António de Oliveira Bernardes.

A vida dos monges manteve-se igual ao longo dos séculos, em silêncio no interior do edifício. Até que em 1834 as ordens religiosas são extintas a mando de Mouzinho da Silveira.

Do abandono ao ressurgimento

Ao extinguir as ordens, pretendia o governo dotar de meios as autarquias. Mas Redondo e Estremoz não se entendiam quanto aos seus limites e a qual se deveria dotar a imensa propriedade do mosteiro.

O Convento de São Paulo é hoje um hotel
O claustro
Luz e sombra
O Convento tem a maior coleção azulejar in situ do país
A fonte do Jardim das Quatro Estações
Uma das piscinas do Convento
A suite do hotel rural
Painel de Gabriel del Barco, o primeiro dos grandes mestres

Passaram assim 36 anos. Quase quatro décadas em que o convento foi saqueado. As telhas foram-se todas, assim como toda a talha dourada da igreja e os azulejos do claustro. Mas ao saírem, os monges tiveram um último gesto que haveria de ser providencial. Emparedaram todos os acessos ao segundo andar e assim, salvaram os azulejos.

Eduardo Bon de Sousa, diretor-geral do hotel rural, lembra que “quando finalmente vai a hasta pública, apenas são referidos os terrenos da Serra d’Ossa”. Foi um homem de Vila Viçosa quem comprou os 600 hectares para a sua sobrinha, de quem era tutor.

Uns anos depois, a senhora resolve mostrar as terras ao marido e ‘descobre’ o convento. De então para cá, são já três as gerações da família Leote que se têm dedicado a recuperar o convento. A primeira tratou das telhas e a segunda de repôr portas e janelas. Foi com Henrique Leote que o Convento de São Paulo se tornou uma unidade hoteleira.

O Convento de São Paulo já não recebe eremitas, mas as suas antigas celas foram adaptadas para as exigências de uma vida menos regrada. Hoje é um confortável e belo hotel rural.

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Jorge Montez: Nasceu e fez-se jornalista em Lisboa, mas quando o século ainda era outro decidiu mudar-se de armas e bagagens para Viana do Castelo. É repórter. Viveu três meses em Sarajevo quando os Balcãs estavam a aprender os primeiros passos da paz, ouviu o som mais íntimo da terra na erupção da Ilha do Fogo e passou cerca de um ano pelos caminhos do Oriente.

Ver comentários (1)

  • Ja pernoitei uma bela noite nesse Hotel encantador Oxala que continuem a preservar aquilo que os nossos antepassados nos deixaram

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