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Carla Chambel: “É no Gavião que sinto paz”

Carla Chambel e o Gavião

Belver e o seu castelo são os marcos turísticos de Gavião, mas garantimos que há muito mais para conhecer e que se encantará com muito do que aqui encontrar. Carla Chambel, a atriz cujas raízes estão neste “Alentejo diferente”, diz que “há uma paz enorme que encontro” no regresso: “É um sítio que me deixa respirar”.




Ver Carla Chambel falar do Gavião é entrar pela porta grande neste concelho. Os seus olhos brilham quando fala da praia do Alamal, entusiasma-se quando descreve o comboio que passa junto ao Tejo. O seu rosto fica sonhador com as “paisagens de encantar” que se descobrem.

E a atriz não está em palco. São emoções suas as que transmite. É uma vontade de partilhar segredos, de segredar experiências. Um querer que mais pessoas conheçam a sua terra pela certeza de que não deixará ninguém indiferente.

Não se espere o Alentejo tradicional, que só o encontrará mais no sul do concelho. Gavião é um território de transição entre o Ribatejo, a Beira Baixa e o Alto Alentejo. É, por isso mesmo, único na sua diversidade.

Esta é uma reportagem diferente. Juntam-se aqui as experiências de quem passou quatro dias a descobrir o concelho com a visão de quem teve “a sorte” de toda a sua vida ter convivido com paisagens únicas. Juntam-se a atriz e o repórter, que aproveita o roteiro sentimental para ir pontuando aqui e ali com experiências de quem saiu de Gavião com o Tejo nos olhos.

Comecemos, pois, pela praia fluvial do Alamal, o único recanto em quilómetros onde o Tejo consegue uma margem para se espraiar. Uma benesse que o rio retribui depositando as areias que no verão se enchem de quem procura um canto do paraíso.

“O Alamal é uma experiência”

“Vocês têm de conhecer o Alamal porque aquilo é uma experiência”. É assim que Carla Chambel fala aos amigos sobre a praia do Tejo. “Muitas vezes tenho a sorte de não apanhar a praia com muita gente e posso desfrutar do espaço, ouvir os pássaros, ouvir o rio a correr, às vezes até passear de canoa. É muito relaxante”.

O Alamal que conhecemos – diz agora o jornalista – foi aquele que está só ao alcance de privilegiados, dos que não são obrigados a reger o seu tempo pelos calendários escolares. Uma semana antes, a praia fluvial fervilhava de atividade, as Gaivotas sulcavam o Tejo, o campismo (gratuito – basta ir ao site da Câmara Municipal e preencher o formulário) estava cheio. E, contudo, todos têm apenas um adjetivo para o Alamal: tranquilidade.

para passar momentos únicos

Mas, em meados de setembro, é como se a praia fosse apenas nossa, não o sendo. E isso é a que a torna ainda mais especial. Henrique, Catarina, ‘Taíta’, Telma são nomes de pessoas que conhecemos. Uns de passagem, outros com a missão de tornarem este recanto ainda mais aprazível.

Abrir a janela do quarto do excelente Alamal River Club quando o sol ainda espreita envergonhado e olhar as cores das colinas fronteiras, ou ao pôr-do-sol ver o castelo de Belver iluminar-se de fogo, são imagens que nos vão direitas ao coração.

É que no Alamal pode-se comer bem no restaurante-bar (o “Pecado da Gula” recomenda-se), caminhar-se pelo passadiço que ao longo de três quilómetros segue junto ao Tejo ou ainda sentirmos que os sentidos nos enganam quando entramos na Quinta do Alamal, percorremos os seus caminhos, vemos as suas fontes e nos julgamos em Sintra. Ou ainda, e uma vez mais recomendamos, passear pelas águas do Tejo. Não o fizemos de caiaque, que o tempo não era muito, mas seguimos a bordo do barco da NauticAlamal, com Carlos Marques aos comandos e a chamar-nos a atenção para os recantos.

E o comboio que passa

Três vezes por dia – nos dois sentidos – o comboio regional traça o seu caminho tendo o Tejo por companhia, parando em Belver-Gavião. Esta é uma boa forma de se chegar a estas terras, porque a viagem é também ela uma experiência única.

Três vezes por dia, a calma é interrompida por um som ritmado em crescendo. É o comboio que passa. E vê-lo a passar “vai sempre buscar um bocadinho da nossa infância”, diz Carla Chambel. “É vermos o comboio a passar e dizermos adeus, imaginando que quem lá vai nos diz adeus também”.

Acenando-se ou não para os passageiros, ouve-se o ruído caraterístico e procura-se o comboio olhando para montante e jusante até o encontrarmos e seguirmos com o olhar, numa viagem que terá o seu términus onde a imaginação nos levar.

“Belver é muito especial”

É o único monumento nacional do concelho do Gavião. O castelo de Belver foi erigido pelos Hospitalários para defender o Tejo e hoje é uma varanda sobre o rio.

“Se tivermos a oportunidade de conhecermos o interior do castelo vemos que é um lugar muito especial”, afirma Carla Chambel, que um dia teve da janela de torre de menagem uma experiência que não esquece.

O castelo foi construído na mais alta das colina. Ali onde o Tejo faz uma curva, o rio mostra-se por quilómetros. Costuma dizer-se que o rio corre para a foz, mas não é isso que os nossos olhos vêem lá em baixo. Lá muito em baixo. O que vemos é o azul sereno das águas a contrastar com as colinas escarpadas plenas de vegetação e a ponte que do alto da torre parece um brinquedo, tão pequena se mostra.

O castelo e o Tejo

Foi aqui, a olhar para este cenário num dia chuvoso, que Carla Chambel olhou para a chuva de uma forma diferente: “Lembro-me de uma vez estar na janela do castelo e ver chover desde lá de cima até lá abaixo ao rio e era uma imagem incrível. Normalmente vemos a chuva ao nosso nível mas ali de repente ganha uma dimensão enorme e era maravilhoso ver chover”. Tal é a profundidade, tal é a magia que o castelo e as suas cercanias exercem em nós.

Podendo-se, visite-se em setembro a Feira Medieval e castelo que por esses dias ganha “um espírito de época muito engraçado”. Mas em qualquer outra altura suba-se a escadaria, olhe-se para a paisagem das ameias do castelo, conheça-se a sua história e visite-se a capela de São Brás, dentro das muralhas, para ver o retábulo de madeira.

“Cada vez que vou a Gavião – diz Carla Chambel – vou sendo surpreendida por coisas novas”. É exemplo disso o caminho da Fonte Velha ou o Museu do Sabão, diz a atriz e reforçamos nós. O Museu do Sabão recupera a tradição dos saboeiros de Belver e é um dos apenas quatro que existem no mundo sobre a temática. Até podiam ser muitos, que o que existe na antiga escola primária seria sempre de visita. É um museu com um percurso que nos conta uma história e que está muito bem conseguido. É – mais–uma vez – uma das nossas recomendações.

Os trilhos e os recantos de Gavião

Quando Carla Chambel fala das coisas novas que a surpreendem quando regressa à sua “terra de coração”, fala essencialmente da relação com a natureza. “Quem visita o Gavião pode ter um contacto muito próximo com a natureza, porque foram criadas condições para isso. Os locais já existiam mas ganharam novas roupagens e até novas formas de se apresentar, mas mantêm um lado muito espontâneo”.

E esse contacto surge caminhando-se por um dos trilhos pedestres circulares do concelho de Gavião, que nos levam pelas Arribas do Tejo, pelos moinhos de Margem ou pelas levadas de Atalaia, com as suas cascatas.

Ou, ainda, indo-se a Outeiro ao Observatório de Avifauna de onde se tem uma das paisagens mais marcantes que conheço do Tejo. E de onde até se podem ver grifos e rapinas que por ali nidificam.
“O Gavião permite às pessoas sentirem-se num pequeno paraíso ainda de uma forma muito natural e sem uma intervenção do ser humano de uma forma muito impositiva”.

Paz, tranquilidade, natureza são as palavras que Carla Chambel utiliza para descrever o concelho de Gavião. Um território que é – verdadeiramente – um Alentejo diferente, um “sítio bonito para descobrir”.

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Jorge Montez: Nasceu e fez-se jornalista em Lisboa, mas quando o século ainda era outro decidiu mudar-se de armas e bagagens para Viana do Castelo. É repórter. Viveu três meses em Sarajevo quando os Balcãs estavam a aprender os primeiros passos da paz, ouviu o som mais íntimo da terra na erupção da Ilha do Fogo e passou cerca de um ano pelos caminhos do Oriente.

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  • Admiro as pessoas que se referem à sua terra da forma que Carla o faz e não aquelas que depois de algum êxito passam a olhar aquele que foi o seu mundo com ar de sobranceiro e às vezes de desdém. Também sou do Concelho de Gavião, ausente há mais de 50 anos mas evocando sempre o meu Concelho. Algumas vezes em tom critico, porque me doí a inércia em que tem vivido. Sou natural da Comenda de onde parti com 7 anos para o Monte da Pedra. Mais tarde, aos 16 anos deixei o Alentejo até hoje. Mas, como eu costumo dizer, o alentejano vive para sempre agrilhoado ao seu chão.

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