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Caldeirada à pescador

“No barco, cozinhamos com o que há, mas em terra uma boa caldeirada tem de levar todos os peixes e ainda sardinha e navalheiras que não ficam para o prato mas lhe dão sabor”.

Fernando Correia andou por muitos mares durante uma vida inteira dedicada à pesca. Agora, reformado, dedica-se ao amanho das redes e a fazer épicas caldeiradas sempre que é chamado. É ele quem nos leva passo-a-passo naquele que é um dos sabores emblemáticos da gastronomia de bordo portuguesa.

Uma boa caldeirada à pescador, feita como só as gentes do mar de Peniche sabem fazer, não leva muitos ingredientes, mas cada um deles é fundamental.

Fernando Correia a dar os toques finais numa caldeirada absolutamente imperdível

Ingredientes:

Sardinhas; Navalheiras; Safio; Raia; Pata Roxa; Tamboril; Cantaril
Azeite q.b.
Cebola; Pimento verde; Pimento vermelho; Tomate; dentes de alho
1 folha de louro; 1 ramo de salsa; piripiri
1 litro de cerveja; Polpa de tomate

Preparação

A caldeirada à pescador faz-se por camadas. Num tacho com capacidade para albergar todo o prato, põe-se azeite. Seguidamente, corta-se a cebola, o pimento e o tomate.

A primeira camada é feita com a cebola cortada mais grossa, junta-se depois a batata cortada à rodela, o pimento e o tomate. Cortam-se dentes de alho e juntam-se. De seguida vem a primeira camada de peixe, com o safio, a raia, o tamboril e o pata roxa. Ainda não é desta que se coloca o cantaril, porque é um peixe mais frágil.

A preparação da caldeirada à pescador

Repete-se todo o procedimento para a construção de mais camadas. Agora a cebola já pode ser mais fina. Depois de colocados no tacho as batatas, os pimentos, o tomate e mais alho, junta-se a salsa cortada e mais uma camada de peixe. Se for a última, já pode ser colocado o tamboril.

À parte, junta-se polpa de tomate com um pouco de cerveja, para ficar mais fino, e coloca-se o resultado no tacho. Antes de se levar ao lume, coloca-se sem medo o resto da cerveja, tendo o cuidado de regar toda a área.

É agora que são colocadas as sardinhas, a que previamente se retirou a cabeça, e as navalheiras. Quer as sardinhas quer as navalheiras não serão servidas, mas são” o grande segredo de uma boa caldeirada à pescador”. Depois do prato pronto, reservam-se para a massada de peixe, uma deliciosa sopa que é feita com o caldo da caldeirada e que, por isso mesmo, se come no fim.

Mas voltemos à feitura do prato. Com os ingredientes todos colocados no prato, junta-se o piripiri a gosto para abrir o sabor e leva-se ao lume, primeiro em lume mais baixo para permitir que a primeira camada de cebola liberte a sua água, e depois com o lume no máximo para que todo o prato ferva.

É só quando a caldeirada já está a ferver que se pode juntar um pouco de água. Nunca antes. A água é colocada até que o caldo atinja a última camada e tem por objetivo fazer com que as batatas de cima cozinhem também com o calor.

Os pescadores reformados trabalham no arranjo das redes

Como se vê, a caldeirada à pescador é um prato simples, mas que exige ingredientes frescos e um cuidado redobrado na colocação das camadas. Depois de atingir fervura, é rápido. Quando as batatas de cima estiverem cozinhadas o prato está pronto a servir.

Já no prato, diz-nos o pescador Fernando Correia, pode-se pôr um fio de vinagre. É este talvez o truque final utilizado nas casas de Peniche, porque nos barcos – já o sabemos – “faz-se a caldeirada com o que houver”.

A caldeirada à pescador é um dos mais tradicionais pratos da gastronomia de bordo portuguesa. Vimo-lo a fazer em plena lota de Peniche, no cais da sardinha e foi depois aí que o provámos.

Enquanto Fernando Correia preparava a caldeirada, a chef Patrícia Borges, especialista em pescado nacional e curadora do Festival Gastronomia de Bordo, ia cheirando o tacho e aprovando entusiasticamente.

“O senhor Fernando é das pessoas que eu conheço que faz melhor a caldeirada”, afirma a chef Patrícia Borges. A viver em Peniche e professora na Escola Superior de Turismo, olha para nós, já com a caldeirada a fumegar no prato, sorri, e exclama: “há pratos em que não vale a pena mexer. Isto é grande gastronomia”.

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Jorge Montez: Nasceu e fez-se jornalista em Lisboa, mas quando o século ainda era outro decidiu mudar-se de armas e bagagens para Viana do Castelo. É repórter. Viveu três meses em Sarajevo quando os Balcãs estavam a aprender os primeiros passos da paz, ouviu o som mais íntimo da terra na erupção da Ilha do Fogo e passou cerca de um ano pelos caminhos do Oriente.
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