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A lenda dos 3 rios

Onde se conta a história da formação dos três maiores rios ibéricos: o Douro, o Tejo e o Guadiana eram apenas três pequenos riachos. Até que um dia tiveram uma ideia.

Não sabemos ao certo quando aconteceu, mas foi certamente já depois do quarto dia da criação, feitas que estavam as águas e a terra e povoadas de cetáceos e aves.

O Tejo, o Douro e o Guadiana eram não mais do que três pequenos riachos amigos contentes com a vida que levavam. Um dia visitou-os uma gaivota e contou-lhes histórias de um mundo que já era grande. E disse-lhes da vastidão dos azuis que se viam quando a terra acabava lá para os lados do ocidente.

Os três pequenos riachos pasmaram. “Tanto azul! ” Um espanto que se entende. Só conheciam o azul do céu, que naqueles primeiros dias ainda não tinha ficado cinzento, o castanho da terra e o verde das plantas que ainda não tinham florido.

A vastidão dos azuis, os tons do mar a fundirem-se com os do céu, estimularam-lhes a imaginação. Sabemos que o tempo geológico é muito diferente do humano, e tudo se conta por milhões de anos. Mas naqueles tempos era diferente, e três riachos já com dois dias nos primeiros tempos da criação podem ser considerados adolescentes. E sabemos como os jovens podem ser voluntariosos.

Ao cair da noite, o Tejo, o Douro e o Guadiana conversaram sobre o mundo que não conheciam e sobre a grande aventura que seria a viagem até ao mar. Davam força uns aos outros. A imaginação a voar impedia o sono de chegar e, puxa por este, dá força àquele, combinaram que pela manhã iriam partir à descoberta do mar e que veriam qual seria o primeiro a chegar.

Deus tinha nesse dia criado os luzeiros no céu, o sol e a lua, o dia e a noite. E quando amanheceu, o Guadiana foi o primeiro a acordar. Tentou, sem êxito, que os dois outros rios acordassem e, como não conseguiu, fez-se sozinho ao caminho.

Pulo do Lobo, no Guadiana. Foto: PePeEfe | Wikimedia Commons

Olhou para o terreno e virou a sul, correndo indolentemente pelas planícies alentejanas e os vales algarvios. Às tantas, viu o caminho estreitar-se e teve mesmo de dar um salto. Mais tarde, os humanos chamar-lhe-iam Pulo do Lobo, ali ao pé do que seria Mértola, mas o mais certo seria ter-lhe chamado Pulo do Rio, porque sabemos que foi este o primeiro a dar o salto, muito mais difícil do que o que ficou célebre. Porque o lobo só teve de dar balanço para atravessar o rio, e o Guadiana ousou lançar-se até lá abaixo.

Depois deste pequeno incidente, a viagem decorreu tranquila até que pela primeira vez o Guadiana viu o mar e fez um último esforço para o abraçar.

O segundo a acordar foi o Tejo. Viu que o Guadiana já tinha partido e lançando um último olhar de adeus ao Douro pôs-se a caminho. Foi correndo veloz pelos vales até que encontrou as portas que abriam um caminho mais tranquilo. Pediu licença e abriu-as de par em par. Uma eternidade depois, chamar-lhes-iam Portas de Ródão. A partir daqui foi com mais calma, olhando tudo à sua volta e cumprimentando os grifos e as aves de rapina que já por lá se viam.

As Portas do Ródão Foto Vitor Oliveira | Wikimedia Commons

O Tejo, depois, espraiou-se pelas lezírias ribatejanas e quando viu o mar ficou tão contente que quase se fez mar ele próprio, alargando até mais não poder e tornando-se quase adulto.

O Douro fora o que mais excitado ficara com a expetativa da grande aventura. Adormeceu tarde e tarde acordou. E quando o fez e viu que já estava sozinho atalhou a direito, sem olhar a caminho. Percorreu veloz o caminho que o levava ao mar, escolhendo cada passo a dar com a única preocupação de chegar. Se tivesse acordado cedo, teria tido tempo para apreciar a bela paisagem dos montes a que a sua água daria vida. Mas não acordou, e por isso foi sempre numa correria, sempre rodeado de montes e colinas, até finalmente encontrar o mar.

Estuário do Douro. Foto Dicklyon | Wikimedia Commons

Há quem diga que apesar de ter acordado tarde, o Douro foi o primeiro a ver o mar. Outros dizem que não. Mas a verdade é que a única testemunha seria a gaivota, que não conseguiu acompanhar o ritmo dos três riachos feitos rios.

E se alguém vos disser que sabe com certeza de coisa vivida qual dos 3 rios primeiro chegou é caso de desconfiar, porque o homem só foi criado um dia depois desta grande aventura em direção ao mar.

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Jorge Montez: Nasceu e fez-se jornalista em Lisboa, mas quando o século ainda era outro decidiu mudar-se de armas e bagagens para Viana do Castelo. É repórter. Viveu três meses em Sarajevo quando os Balcãs estavam a aprender os primeiros passos da paz, ouviu o som mais íntimo da terra na erupção da Ilha do Fogo e passou cerca de um ano pelos caminhos do Oriente.
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