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Podence: a aldeia que os Caretos puseram no mapa

Caretos são Património Nacional Imaterial

Foi uma tradição com milhares de anos que tornou conhecida a aldeia de Podence, em Macedo de Cavaleiros. Os caretos, que no Carnaval chocalham as moças, são uma das mais genuínas manifestações populares portuguesas.




No encontro entre a Terra Fria e a Terra Quente transmontana, com a albufeira do Azibo no horizonte, a aldeia de Podence é o mais tradicional dos lugares do concelho de Macedo de Cavaleiros, muito por culpa das tradições que soube preservar.

Alcandorada a meia encosta, Podence desenvolve-se entre o terreiro e a Igreja de Nossa Senhora da Purificação. É o sagrado e o profano a delimitarem o núcleo principal da aldeia, uma vez que é no terreiro que na terça-feira de Carnaval é queimado o Entrudo.

Caretos são figuras demoníacas

Uma tradição ancestral

Hoje em dia, falar de Podence é dizer dos caretos. Os irrequietos mascarados semi-animalescos são hoje uma imagem de marca da aldeia, do concelho de Macedo de Cavaleiros e de Trás-os-Montes. As suas origens são ancestrais e bem anteriores ao cristianismo e no século XX estiveram quase a perder-se.

Valeu então a chegada à aldeia, em 1976, da documentarista Noémia Delgado, que procurava as máscaras tradicionais transmontanas. A aldeia foi aos baús e percebem que apenas sobravam três fatos. Ao verem as máquinas de filmar e – imaginamos nós – os olhos a sorrir da cineasta – os jovens decidiram que a tradição não podia morrer e puseram-se ao trabalho.

A queima do Entrudo é o momento alto da festa

Agora é o que se sabe. No Entrudo, milhares convergem a aldeia para verem aquela que é uma manifestação de Carnaval única e os caretos são chamados para festivais um pouco por todo o lado. Mas é em Podence que a sua magia é maior.

Então, naqueles dias, os caretos e os facanitos seus aprendizes correm as ruas da aldeia à procura de raparigas para as chocalhar. Com os seus fatos grossos de franjas, as máscaras de couro ou latão, os chocalhos à cintura e o cajado para se apoiarem, são uma figura simultaneamente animalesca e diabólica.

A sua origem perde-se no tempo, afirmando os estudiosos estar ligada às festas Saturninas romanas ou ao culto celta ao deus Cernurus, e são as únicas festas dos rapazes ligadas ao equinócio da primavera. Todas as outras se realizam entre o Natal e o Ano Novo.

A aldeia de Podence

A arquitetura da aldeia conta a vida de quem a habita, e por isso se pode considerar uma aldeia genuína. Quem chegar a Podence atraído pela fama que os caretos lhe trouxeram, poderá ficar dececionado por não encontrar um núcleo preservado.

Na aldeia já há casas recuperadas

Aqui, as antigas casas rústicas de pedra convivem com construções feitas por quem ganhou a vida lá fora e quis regressar para a terra. Aqui, como na maioria das aldeias do centro e norte de Portugal, a pedra ainda é sinónimo de pobreza, pelo que quem regressava queria casas mais modernas e seguindo os exemplos que vira pelas franças da emigração. O resultado, claro está, raramente é interessante.

Mas aqui, torna-se interessante essa mistura. É que ainda há várias casas tradicionais e até algumas já recuperadas. Ao subir a rua, avistam-se exemplos dessa recuperação. Penetrando nas ruas adjacentes, o visitante terá um vislumbre de como era a aldeia. A maior parte destas edificações já não é habitada ou perdeu o uso a que se destinava, mas lá continuam como memória de outros tempos. Há casas humildes e de lavradores, uma capela e o grande palheiro logo ao pé da entrada.

No outro extremo da aldeia fica a Igreja de Nossa Senhora da Purificação, que é uma das mais importantes do concelho e foi reconstruída em 1073, altura em que ganhou os retábulos e a talha dourada.

Imagem de marca

Podence é uma aldeia onde o sagrado e o profano convivem. Junto ao adro da igreja, o fontanário do século XIX tem a inscrição “Por Deus já temos água” e mesmo ao lado. uma casa recuperada exibe na escadaria uma miniatura de uma máscara de careto.

Além do mais, situa-se aqui um dos bons restaurantes de Macedo de Cavaleiros. Na Moagem do João do Padre a posta é tratada com mestria, mas são variadas as propostas do restaurante integrado num espaço de turismo de habitação, um dos dois que existem na aldeia.

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Jorge Montez (texto) Miguel Montez (imagem): Jorge Montez nasceu e fez-se jornalista em Lisboa, mas quando o século ainda era outro decidiu mudar-se de armas e bagagens para Viana do Castelo. É repórter. Viveu três meses em Sarajevo quando os Balcãs estavam a aprender os primeiros passos da paz, ouviu o som mais íntimo da terra na erupção da Ilha do Fogo e passou cerca de um ano pelos caminhos do Oriente.
Miguel Montez - Mesmo quando não está com a máquina pensa nas cores e nos enquadramentos. A fotografia é paixão e vai ser profissão. É curioso por natureza. Gosta de conhecer locais e pessoas e delicia-se quando descobre sabores novos. Este é um projeto à sua medida. Já foi voluntário no estrangeiro e tocou em festivais de música.

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