A lenda da Bicha Pintada – Vila de Rei

Há no Penedo Furado, em Vila de Rei, uma rocha fossilizada marcada por um rasto que os cientistas dizem poder ter sido feito por trilobites há 480 milhões de anos. Mas todos sabemos que não é essa a verdadeira razão. Foi o encontro entre uma pastora e uma bela moura que para sempre ficou marcado na rocha. Chamam-lhe a Bicha Pintada.




Ali para os lados do Penedo Furado, uma humilde pastora levou o seu rebanho até às férteis pastagens da ribeira de Codes. Enquanto as suas cabras pastavam docilmente, ouviu uma triste melodia que saía dos lábios de uma mulher.

Atraída pelo melancólico canto, a pastora viu uma bela moura que penteava os seus belos cabelos negros com um pente de ouro, enquanto observava o seu reflexo nas calmas e translúcidas águas da ribeira.

A moura deixava transparecer uma tristeza tão grande que a jovem pastora não teve medo e aproximou-se. A bela senhora, ao sentir-se observada, interrompeu abruptamente o canto e levantou-se de rompante, como que assustada.

A pastora conseguiu então vê-la melhor. Um longo vestido de fina seda cobria-lhe o corpo e as ricas jóias com que se enfeitava eram de tal modo resplandecentes que a cobiça reluziu no olhar da pastora. Sem sequer se aperceber, estendeu a mão como que a pedir o pente de ouro.

A mulher sorriu e, numa voz suave, disse que lhe dava o pente de ouro e até um bezerro de ouro escondido ao pé do penedo furado, mas apenas com uma condição: que a ajudasse a quebrar o encanto que lhe fizeram e que a obrigava a uma imortalidade triste e solitária.

Para ficar na posse dessa imensa riqueza, a pastora apenas teria de permitir que lhe beijasse o céu-da-boca e de converter-se à fé da moura.

A pastora olhou para o vestido de seda e para as ricas jóias da moura, viu-se a si própria andrajosa e descalça, e imaginou-se também ela ricamente vestida.

Tinha um aspeto tão triste e era tão bela a moura encantada que não lhe metia medo. E o receio de se fazer beijar pela mulher e converter-se à fé mourisca era bem menor do que a cobiça que o ouro resplandecente lhe despertava.

A jovem pastora acenou com a cabeça, concordando, e a bela moura aproximou-se languidamente e já estava a apenas uns centímetros da pastora.

De repente, como que por artes mágicas, a bela moura transforma-se numa enorme serpente que se empina e estica a cabeça em direção à boca aberta de estupefacção da jovem pastora.

Tomada de pânico, a jovem dá um salto para trás e benze-se. Quando viu à sua frente o sinal da cruz, a horrenda serpente estacou e silvou de raiva, batendo em retirada e rastejando pela pedra até se meter num buraco onde não mais foi encontrada.

Quando a pastora chegou numa aflição à aldeia, os homens juntaram-se para fazer uma batida à serpente, mas do enorme bicho peçonhento nem sinal. Apenas a sua fuga ficou para sempre marcada na pedra.

E foi assim que nasceu a Bicha Pintada.

Em noites de Lua cheia, a moura encantada continua a sair da sua toca para ver o seu reflexo na ribeira e o seu canto triste ainda hoje se sobrepõe ao doce marulhar das águas da ribeira de Codes.

Se te prometer riquezas a troco de um simples beijo no céu-da-boca não aceites!

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This post has 1 Comment

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  1. Caríssimo Jorge,
    Acabei de chegar da Pedra Furada e, com muita pena minha, não vi nem sinais da moura encantada.
    Abraço!

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