Braga: histórias de mulheres no Recolhimento das Convertidas

São histórias de mulheres as que se cruzam no Recolhimento das Convertidas. Histórias das mulheres que por lá passaram ao longo de 300 anos e as que são contadas pela artista plástica Patrícia Ferreira.






O Recolhimento das Convertidas, em plena Avenida Central de Braga, foi durante 3 séculos a casa onde chegavam prostitutas que se queriam converter, e também indigentes. As paredes do edifício que vai agora ser intervencionado segredam histórias de submissão, de castração de vontades, de despersonalização.

Patrícia Ferreira conta histórias de mulheres
Inauguração da exposição

Foram estas histórias que deram o mote à artista plástica Patrícia Ferreira para a exposição “33” que pode ser vista até quinta-feira no antigo coro da Capela de Santa Maria Madalena, parte do Recolhimento das Convertidas.

A exposição de visita obrigatória não deixa ninguém indiferente. Patrícia Ferreira começou por pintar as Convertidas, mas acabou por criar um todo homogéneo em que são as mulheres de todos os tempos as personagens principais.

Quinta-feira é o último dia em que se pode apreciar o trabalho da artista e também o último dia em que se pode visitar o Recolhimento das Convertidas. O edifício classificado como Monumento de Interesse Público está na lista governamental de imóveis para rendas acessíveis, mas o seu futuro não é certo.

De formato quadrangular com claustro ao centro, o Recolhimento das Convertidas é um edifício barroco construído de raiz em 1720. Tem atualmente 33 celas (se bem que esse número tenha variado ao longo do tempo) exíguas, onde as reclusas viviam e onde preparavam as suas refeições.

As mulheres públicas e pecadoras que queriam mudar de vida pela oração eram a quem se destinava o Recolhimento, mas entre as suas paredes viveram também indigentes e outras que aí eram entregues pelos maridos e familiares.

Recolhimento, oração e trabalho eram os pilares da vida destas convertidas, que não podiam falar de outra coisa que não a religião, que não podiam cantar, que não podiam ter contactos com o exterior para além dos familiares próximos. E que tinham o tronco (aqui uma cela solitárias sem luz) para expiar os seus pecados.

Patrícia Ferreira começou por contar histórias destas mulhares. Nos últimos meses embrenhou-se na história do Recolhimento das Convertidas, leu tudo o que havia para ler e tomou suas as mágoas que estas paredes contam.

Patrícia Ferreira fala sobre os seus quadros
Patrícia Ferreira: “esta é uma exposição atual”

Mas a meio do processo, deu-se conta de que o seu trabalho era atual, que os quadros que foi pintando contavam histórias de mulheres atuais. “Comecei a contar histórias com 300 anos, mas este é um trabalho contemporâneo, atual“, diz-nos a artista. “Aquelas que se comovem com o meu trabalho já viveram estas situações de um forma ou de outra“.

Patrícia Ferreira afirma mesmo que, “Avaliados em determinados parâmetros, estes são desenhos de algum modo auto-biográficos e alguns mexeram comigo. A mulher honrada solteira é virgem, casada é fiel e viúva é casta. Eu quando casei a primeira vez senti os olhares das pessoas, porque estava grávida”.

Patrícia Ferreira, 41 anos, é uma artista plástica autodidata. Já presente em várias coleções e com mostras coletivas e individuais no curriculo, ganhou uma menção honrosa na Bienal de Desenho de Almada, em 2018. Dedica-se integralmente à pintura desde o ano passado.
O trabalho de Patrícia Ferreira
Uma exposição que conta histórias de mulheres

É sobre esse olhar constante sobre os comportamentos da mulher e o ferrete que a sociedade lhe impõe que se debruça a exposição de Patrícia Ferreira. Começou por retratar as Convertidas e acabou a falar de todas as mulhares e da relação da sociedade para com elas.

A exposição está patente no antigo coro da capela de Santa Maria Madalena, o local de onde as recolhidas assistiam à missa, escondidas nos olhares indiscretos por um portal de madeira pontilhada que apenas deixa perceber silhuetas.

A obsessão em impedir qualquer contacto com é quase sufocante no Recolhimento das Convertidas, em Braga. A pesada porta de madeira com três ferrolhos e duas fechaduras tem uma chapa de ferro perfurada dupla que apenas permitia a passagem do som. Também a roda dos expostos, por onde era entregue aos pobres a comida que sobrava das refeições, impede qualquer contacto.

Este é um espaço verdadeiramente a não perder e que é visitável pela última vez até ao final da semana. A exposição de Patrícia Ferreira poderá vir a estar patente noutros recolhimentos.

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