A norte de Belmonte ergue-se uma torre romana que tem sido um mistério através dos tempos. Centum Cellas, assim se chama o monumento, tem estimulado a imaginação de muitos. Mas o mistério pode já ter sido desvendado.
Ao longo dos anos, foram dadas variadíssimas interpretações a Centum Cellas. Disseram que foi prisão ou torre principal de um acampamento militar romano. O próprio nome sugeria o primeiro, mas o impressionante monumento romano que chegou aos nossos dias pode ter tido uma função bem mais comum.
O visitante que chega a Colmeal da Torre, em Belmonte, não consegue ficar indiferente ao monumento que se impõe ao lado da estrada, no monte de Santo Antão.
Com os seus dois andares, o vestígio romano é um dos mais emblemáticos e misteriosos monumentos da Beira Interior. Perto de Belmonte, terra que alberga a maior comunidade judaica em Portugal, a torre impõe-se na paisagem.
Este é um vestígio único. Nem as ruinas da maior cidade romana existentes em Portugal, Conimbriga, tem algo semelhante. Aliás, nem em toda a Península Ibérica existe algo parecido, apesar de muitos serem os vestígios – e alguns bem mais imponentes – que se encontram nos dois países.
Daí o estímulo à imaginação e o mistério que rodeou sempre a impressionante torre de Centum Cellas.
O construtor de Centum Cellas
Mas, de acordo com a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), o mistério estará resolvido e a utilização primitiva de Centum Cellas era bem mais prosaica.
Com efeito, a DGPC diz não só que foi erguida primitivamente como parte de uma villa romana, como até diz quem foi que a mandou construir. Mas já lá vamos.
Os que levaram à letra o nome que chegou até aos nossos dias, acreditavam que a estrutura tinha sido uma prisão com cem celas. Para outros estudiosos dos séculos XIX e XX, terá sido o praetorium, ou seja, a parte central de um acampamento romano. Já outros apontaram como hipótese que a estrutura fosse originalmente uma mansio – estação de muda – ou mutatio – albergaria para viajantes.
Contudo, no final do século XX foram realizadas escavações arqueológicas que revelaram que Centum Cellas fazia parte de um complexo bem maior e que permitiram chegar-se à conclusão de que se tratava da morada de um rico homem da zona.
O trabalho dos arqueólogos permitiu pôr a descoberto várias estruturas que tinham Centum Cellas como ponto central. Quem hoje vai ao local apenas se apercebe de muretes e um ou outro degrau. Mas os especialistas reconhecem nestes vestígios salas, corredores, escadarias, caves e pátios.
Está assim desvendado o mistério de Centum Cellas. A torre não estava isolada, mas antes fazia parte de um vasto complexo que foi mandado construir por Lucius Caecelius, um rico cidadão romano que fez fortuna de meados do século I que fez a sua fortuna a negociar estanho.
Está desfeito o mistério. Lucius entregou a um bom arquiteto a construção da sua villa e o resto é história. O edifício foi parcialmente destruído por um incêndio no século III e sofreu aí a primeira das alterações. Mas com o passar do tempo perdeu a sua razão de ser. Lucius Caecelius já tinha morrido há muito quando os proprietários deixaram a villa.
Já na alta Idade Média, os materiais da villa são aproveitados para a construção de uma capela a São Cornélio, que desapareceria, também ela, no final do séclo XVIII.
Está assim desfeito o mistério de Centum Cellas. Nem prisão, nem acampamento romano. Apenas a excelente casa de Lucius Caecelius. Será?